OS ROBERTOS
Por A. M. Galopim de Carvalho
Vêm aí os Robertos! Gritava o meu irmão
Mário, ofegante de dois andares a subir de um pulo, vindo da rua. Era assim que
nós nos referíamos a esta herança cultural portuguesa
que é o teatro de fantoches ou de marionetas, dito “de luva”. Descemos de um
salto e, já na rua, a correr, ouvíamos a voz de “palheta” do bonecreiro. Lá
estavam eles, gesticulando, no topo de uma guarita instalada naquele passeio
mais alargado da Rua João de Deus, em frente da mercearia do Anselmo, rodeada
por uma muito razoável assistência de miúdos e graúdos. Já montada, a guarita
era uma armação de madeira forrada com chita barata, a fazer as vezes de palco
virado a todos os quadrantes.
De pé, escondido lá dentro, o bonecreiro, falando
sem parar, manipulava os figurantes, simples bonecos ou fantoches reduzidos a
uma tosca cabeça de pau, vistosamente pintada, agarrada a um meio corpo que não
era mais do que a respectiva roupa. Diz-se fantoches “de luva” porque o
operador mete o dedo indicador na cabeça do boneco e usa o polegar e o dedo
médio para fazer os braços, enfiando-os nas mangas terminadas por mãos
igualmente vistosas. Testemunho de uma das tradições mais antigas
das artes cénicas europeia e portuguesa julga-se ter ido buscar heróis
populares ao oriente.
Deste teatro de rua reduzido à sua
expressão mais simples, recordo, sobretudo, as cenas de conflito, resolvidas à
cacetada, e os sons muito especiais que, só mais tarde soube serem conseguidos
com a “palheta” um instrumento adaptado à boca do operador e lhe confere uma voz metálica
e bem audível, de que ressaltam, em especial, os “rrrrrr” contidos em muitas das
palavras-chave do texto (rapaz, rosa, torre, porrada, Rita, Roberto,…), só
possíveis através do uso deste instrumento. Eram os sons estridentes,
assim conseguidos, que todos guardamos na memória, que captavam a atenção do
público, além de que realçavam o discurso e a acção, tão importantes na
transmissão de “vida” aos bonecos.
Os estudiosos desta expressão artística,
dizem que este teatro de rua remonta à “Commedia dell Arte”
italiana, do século XVI, construída à volta de
situações padronizadas e com certos personagens-tipo, sendo
provável que tenha absorvido algumas tradições orientais. Acredita-se que,
durante o século XVII, este tipo de representação se alastrou à Europa, em
especial, a França, evoluindo em função das especificidades culturais dos
locais por onde andou. O carácter, a um tempo, caricatural, burlesco e
subversivo do discurso falado e a utilização da voz de palheta no falar de
todos os personagens são duas constantes neste teatro de rua.
Em Portugal, o herói popular deste teatro de
fantoches chegou aos dias de hoje com o nome de Dom Roberto, apesar de, no
século XVIII, terem sido várias as designações deste personagem. Roberto
é apenas uma das suas muitas designações conhecidas, ao longo o séc. XVIII, que
acabou por se impor e generalizar. Na origem deste nome poderá estar o grande êxito
alcançado pela representação de uma Comédia de Cordel intitulada “Roberto do
Diabo”, uma importante peça do reportório clássico europeu de fantoches,
baseada na história do Grande Roberto, Duque da Normandia e Imperador de Roma.
Outra origem poderá estar associada a um célebre empresário de Teatros de
Fantoches, chamado Roberto Xavier de Matos que, em começos do século XIX,
dirigia o Teatro do Bairro Alto. Uma certeza existe, porém,
a palavra Roberto tem uma sonoridade ideal para ser produzida pela voz do bonecreiro
que utiliza a palheta.
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