3.9.17

Sem emenda - Tão simples!

Por António Barreto
Tudo o que corre bem em Portugal é da responsabilidade do governo. Emprego a subir e desemprego a baixar, crescimento do produto, aumento das exportações, paz social, perspectiva positiva ou estável nos mercados internacionais, aumento das pensões, melhoria das receitas da segurança social, diminuição de alguns impostos e até medalhas desportivas: não fora o preclaro governo e nada disso seria realidade.

Tudo o que corre mal em Portugal é da responsabilidade de outros. O endividamento, a diminuição de investimento público, as dificuldades na saúde, os atrasos na justiça, as deficiências na segurança, os fogos florestais, o roubo de Tancos, a impunidade da corrupção, o conflito com os médicos e as tensões nas forças armadas encontram-se nessa situação: culpas evidentes do governo anterior, da oposição e do estrangeiro.
            
O grande debate político parece ser esse. O da narrativa e do discurso de culpa. É simples. Parece verdade. Mobiliza os fanáticos. Excita os adeptos. Tem efeitos psicológicos garantidos. O produto vende-se bem e há quem compre. Aliás, não se pode dizer que haja mentira. No mundo ocidental, é o que se sabe, nunca se viu um governo assumir responsabilidades por erros ou desastres. E sempre se ouviu atribuir culpas a outros, ao governo anterior e ao estrangeiro.

Vésperas de orçamento, semanas antes de eleições autárquicas e meio da legislatura: momento ideal para identificar culpados e negociar. Momento estratégico para que contribuem, dentro de poucas semanas, as eleições alemãs. A estranha configuração da maioria parlamentar e de governo acrescenta complexidade. A evolução próxima da política portuguesa merece especial atenção.

A situação actual apresenta perigos enormes, mas também potencialidades benéficas. Entre estas, conta-se evidentemente a possibilidade de mudança do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista. O que, apesar das aparências, não é impossível. O Bloco, partido de transição e de trânsito, poderá converter-se sem dificuldade a uma política democrática e realista, com umas pinceladas reformistas e alguma radicalidade cultural e de costumes. Uma boa análise de classe deste partido, das suas origens e do seu programa dir-nos-á exactamente isso.

Quanto ao PCP, imagina-se que este partido poderia conhecer, finalmente, a sua Primavera, quem sabe se a sua metamorfose e transformar-se em partido democrático, de esquerda, de base sindicalista, pragmático e radical, mesmo se pouco liberal. Não é impossível que a sua evolução constitua um dos mais interessantes casos contemporâneos. O “novo quadro político” e as “relações de forças”, os dois critérios mais importantes da definição estratégica comunista, sugerem essa possibilidade. O apoio a este governo é mais do que oportunismo e pode ter longo alcance. Até hoje, o PCP só apoiou os governos de dois primeiros-ministros, Vasco Gonçalves e António Costa. O primeiro foi o desastre conhecido. O segundo… não se sabe.

Infelizmente, não há só boas perspectivas. Há também perigos, entre os quais dois graves. O primeiro seria o PS afastar-se da sua história liberal e democrática, ficando apenas fiel à tradição jacobina. Se assim for, fica o país a perder e a esquerda condenada, no futuro, a pastorear reivindicações, não sem antes danificar ainda mais a posição de Portugal no mundo.
O segundo seria o de repetir o ciclo de Sócrates: distribuir o que se não tem, investir o que não se poupou, gastar o que não é nosso, endividar-se e fazer aproveitar amigos políticos e patrícios financeiros. Não parece exagerado imaginar que tal possa acontecer. Na verdade, alguns dos mais importantes ministros e secretários de Estado deste governo foram, com António Costa, os pilares dos governos de José Sócrates.
Nada está escrito.
DN, 3 de Setembro de 2017

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2 Comments:

Blogger José Batista said...

Concordo. E receio sobretudo o que é referido no penúltimo parágrafo. O PS nunca se demarcou de Sócrates, pese embora o posicionamento de Seguro, que o atirou borda fora, e, como é dito, os principais ministros de Costa foram ministros importantes de Sócrates. Ora, eles não podiam nem podem desconhecer a peça...
Isto dito, reconheço enormíssima habilidade a A. Costa e desejo profundamente que ele saiba conduzir o barco. Tanto que, se agora houvesse eleições, votava nele. Mas não esqueço a sua acção nos governos de Sócrates, que me parece razoavelmente cinzenta, e outro tanto digo da sua acção na presidência da Câmara de Lisboa.

3 de setembro de 2017 às 16:05  
Blogger opjj said...

Exª diz coisas acertadas. A prática do passado e presente diz-me que - tudo o que for decretado pelo PS o Zé povinho bate palmas, mesmo levando na cabeça.
Estou à espera da reversão dos impostos do GASPAR- IRS mantém-se;20% do jogo mantém-se;23% da Luz e gás mantém-se. No último ano de COSTA na Câmara o aumento da factura da água aumentou 47,8% mantém-se.
Por muito menos o PS, PC e BE pediram demissões do anterior governo. Até o mentiroso compulsivo Jerómino não queria demissões à peça mas sim o governo todo. Todos eles acusavam as mortes nos hospitais e depois foram buscar o DR. Morte para presidir à CAIXA.
Pediram 77.000M€ e deixaram os cofres vazios e sem fianças garantidas.Esqueceram-se.
Até entrando 4000 médicos e 3000 enfermeiros passando de 40 para 35 horas fazem o milagre de baixar as despesas.
Por aqui me fico
Cumprimentos
Por aqui me fico

3 de setembro de 2017 às 18:49  

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