Sem emenda - Criar raízes, fixar populações
Por António Barreto
Os desastres deste ano vieram actualizar
um velho problema: o despovoamento, para uns, ou a desertificação, para outros,
de grande parte do país. Não apenas do interior clássico, mas do interior
social e económico que por vezes se aproxima a escassos quilómetros do litoral
ou até que inclui muita praia do centro do país ou do Alentejo. Aliás, visto de
São Petersburgo ou de Istambul, Portugal é todo litoral.
Por causa da violência dos fogos e do número de vítimas
mortais, os incêndios do Verão e do Outono deixaram marca indelével no
território, nos espíritos e na política. O governo reagiu mal, mas, justamente
corrigido pelo Presidente da República, mexeu-se e tentou recuperar o tempo
perdido.
Rapidamente se começou a discutir as grandes questões, o
ordenamento florestal e do território, as funções do mercado, a criação de
parques nacionais e o destino a dar às matas abandonadas. Prontamente se ouviram
promessas, umas velhas, outras muito velhas. A grande demagogia regressou.
Quase não há político que não fale das “raízes”, não as das árvores, mas as das
populações. Com o que se pretende “fixar populações”, evitar as migrações,
controlar a urbanização, trazer novas pessoas para “criar raízes”… Chega
facilmente a dizer-se que é necessário fazer com que as pessoas “devam” (na
versão despótica) ou “possam” (na versão liberal) ficar a viver onde nasceram e
cresceram. São temas inúteis que rendem sempre qualquer coisa em comício ou à
saída de jantar: “revitalizar o interior”, “impedir o despovoamento” e
“incentivar a natalidade”. Ao que não falta “trazer empresas para o interior”,
“criar incentivos fiscais”, “proteger a produção local”, “criar emprego” e
“encorajar o artesanato”. Há 50 anos e agora. As intenções são tão boas que
falta coragem para criticar o erro, a demagogia e a ilusão.
A verdade é que, para fixar populações, só se conhecem meios
ditatoriais, já bem rodados na China, no Camboja e na União Soviética. Com
centenas de milhares de vítimas. Ou milhões. Fixar populações ou é demagógico e
não serve senão para tentar ganhar votos, ou implica retirar aos cidadãos algumas
grandes liberdades que são as de movimento e de mudança de local de vida. Para
fixar populações, é necessário talvez o planeamento integral da vida das
pessoas.
Confundir despovoamento com abandono é uma das raízes do
problema. Terras despovoadas podem ser economicamente úteis, desde que bem
tratadas. Em muitos casos, é mesmo o contrário que se produz: gente a mais
significa incêndio, desleixo e acidente. A decisão de viver na vila, na pequena
cidade, na grande metrópole ou no estrangeiro não é sempre uma decisão de
miseráveis e desprotegidos. A decisão de mudar é muitas vezes um passo para a
promoção e a mobilidade, para melhorar e subir na vida. Viver nas cidades traz
quase sempre vantagens para a educação, a saúde, o emprego, a cultura, o
casamento, a justiça e o conforto. Em poucas palavras, a liberdade é urbana. Em
grande medida, o progresso também. Já se conhecem em Portugal centenas de agricultores
que vivem na cidade e trabalham no campo. Felizmente que ninguém se lembrou de
os fixar.
Evitar o abandono? Sim. Impedir a degradação do meio? Sim.
Aproveitar os recursos sem os destruir? Sim. Fixar as populações? Não. Mas sim ao
estímulo e à remoção de obstáculos. Assim como evitar que sejam as autoridades
as primeiras a acelerar o abandono. Destruir instituições pode ser fatal. É o
que tem feito o Estado, de esquerda ou de direita, para poupar pouco a fim de
gastar muito. Não faltam exemplos por todo o país: escolas, centros de saúde,
repartições, bancos, centros de emprego e da segurança social, centros de
formação, esquadras de policia, quartéis da GNR, regimentos militares, lares de
terceira idade, serviços florestais, parques nacionais, áreas protegidas,
serviços de conservação da fauna… Houve decisões racionais? Talvez. Mas também
as houve insensatas e de curtos horizontes.
Manter instituições pode ser muito mais barato, democrático
e livre do que acudir depois a subsidiar causas perdidas. Áreas despovoadas
podem não ser abandonadas. Áreas despovoadas podem ser ricas e aproveitadas.
DN, 31 de Dezembro de
2017
Etiquetas: AMB
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home