Sem emenda - Frágil. Vulnerável. O Estado.
Por António Barreto
É talvez o momento ideal para
discutir coisas sérias. Só há eleições legislativas daqui a um ano. As reservas
de demagogia ficam para então. A coligação parlamentar está segura. No PS,
partido do governo, há quem queira pensar e discutir doutrina e programas.
Ocupado até agora com habilidades, este partido necessita de pensar. Na
oposição, há uma eleição crucial para o PSD. Este partido ainda sofre, justa e
injustamente, dos efeitos da austeridade e de dois anos de oposição. Tem necessidade
absoluta de repensar.
Todos os partidos precisam de
pensar, com certeza. Mas os dois principais, se o querem continuar a ser,
precisam disso como de pão. Se não o fizerem e se não esclarecerem, correrão
riscos de fragmentação ou de pulverização, a exemplo de grande parte dos países
europeus.
Mais de um ano antes de eleições,
há tempo para pensar e debater. Não chegará para tudo esclarecer, mas o processo
pode ter início. Que é cada dia mais urgente, com a crise europeia, as ameaças
de nova crise financeira e as tensões internacionais.
Para o debate português, entre
outras questões vitais, uma parece emergir: a da fragilidade do Estado. Os
últimos anos foram cruéis e reveladores.
O Estado ficou frágil diante dos
interesses de meia dúzia de grupos, de famílias e de bancos sem escrúpulos, com
métodos que incluíram o banditismo, o crime de colarinho branco e o
aproveitamento de oportunidades que o regime democrático oferecia.
O Estado esteve frágil perante as
actuações predadoras de bandoleiros que conseguiram utilizar todos os processos
democráticos de organização do poder político, da Administração Pública e dos
órgãos de soberania, para corromper, enriquecer e locupletar.
O Estado expôs fragilidades por
falta de inteligência e de ciência, ao ter de recorrer a empresas, assessores,
consultores e escritórios, que, dizendo o que o Estado queria ouvir, obrigaram
o Estado a fazer o que eles queriam que fizesse.
O Estado mostrou-se frágil por
ocasião dos incêndios de Verão, os quais, apesar de previsíveis, provocaram uma
das maiores hecatombes da história do país, no quadro de um fenómeno raro de
incompetência e de irresponsabilidade.
O Estado revelou-se frágil no
momento em que, imagine-se só, até os depósitos de armas das Forças Armadas
foram violados e roubados, na ausência, por enquanto, de infractores e de responsáveis.
O Estado patenteou fragilidade
quando, nas operações de privatização, tantas vezes para entidades públicas
estrangeiras, não defendeu os interesses nacionais com mais rigor, seja a
estabilidade das empresas, sejam os direitos dos cidadãos e dos consumidores.
O Estado exibe toda a sua
fragilidade quando o sistema de Justiça, capaz, por um lado, de resolver
centenas de milhares casos do dia a dia, é, por outro lado, absolutamente
incapaz de, com respeito pelos direitos dos cidadãos e em obediência às regras
de uma democracia liberal, tratar a tempo e horas dos bandidos com grau
universitário, dos criminosos de colarinho branco, dos malfeitores com nome de
família, dos facínoras com propriedade, dos celerados com empresa, dos
delinquentes eleitos e dos corruptos com cartão de partido.
O Estado evidenciou a sua enorme
fragilidade ao não conseguir levar a bom termo, em tempo decente, processos de
investigação de um Primeiro-ministro, de ministros, de secretários de Estado,
de adjuntos e assessores do governo, de directores gerais, de presidentes de
institutos públicos, de presidentes de conselhos de administração e de
administradores de empresas públicas e privadas, de oficiais das forças armadas
e até de um chefe de polícia acusados há anos e à espera de não se sabe o quê.
Em tudo quanto diz respeito à
corrupção política, ao poder económico, às regalias dos partidos políticos e ao
privilégio de famílias com nome e fazenda, o Estado democrático encontra-se
jacente e moribundo.
O Estado português não está à
altura da democracia europeia, da liberdade e da protecção devida aos cidadãos.
DN, 7 de Janeiro de
2018
Etiquetas: AMB
6 Comments:
Estou 100% de acordo.
Mais claro, é impossível!
Pois!
Porém, dizendo-o ou não, tudo fica como estava. Sempre. Inexplicavelmente.
Uma análise brilhante!Seria bom,que os políticos reflectissem nestas verdades
Não é o momento ideal para nada. Todos os momentos, excepto num combate a um grande incêndio ou calamidade, o são.
a)«O Estado ficou frágil diante dos interesses de meia dúzia de grupos, de famílias e de bancos sem escrúpulos»
Falta incluir os partidos/empresa do regime.
b)«recorrer a empresas, assessores, consultores e escritórios, que, dizendo o que o Estado queria ouvir»
Da esfera dos pp, com um antigo ministro por ex, como profissional de estudos há décadas.
Dois casos, muitos casos, redutíveis a um único.
A qualidade das pessoas, com os pp como cadeira de ascensão social por mérito de cartão.
A bem do Regime, sempre.
Parece que querem lavar as mãos responsabilizando o mais baixo da hierarquia militar - o SOLDADO-. Pois, sempre é menos gente!
Mais caricato ainda, não se sabendo o espólio, ter sobrado uma caixa de munições.
Cumprimentos
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