28.1.18

Sem emenda - Piedade e Misericórdia

Por António Barreto
Pelas más razões, duas das mais antigas instituições nacionais ocupam as páginas dos jornais e os noticiários de televisão: o Montepio Geral e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O assunto resume-se em poucas palavras: o banco Montepio está em má situação financeira e a Santa Casa está tentada a investir nele, no que é encorajada pelo ministro da Segurança Social e pelo Governo. A história é tão estranha e os riscos são tão grandes que vale a pena olhar um pouco devagar.
A designação de Montepio é antiga. É a versão portuguesa das Monte di Pietà e Monte dei Paschi, das Mont de Piété ou das Monte de Piedad. No essencial, estas instituições não lucrativas tinham em comum realizar uma forma de solidariedade que se traduzia em empréstimos sobre penhora e com juros muito baixos. As instituições viradas para a beneficência evoluíram para outras formas de ajuda, em particular através de mútuas e de poupança para pensões. Diferem das casas de penhor, pois estas são casas comerciais e a usura é a regra!
Os primeiros Monte di Pietà foram fundados por franciscanos, para ajudar os necessitados, emprestar dinheiro com penhora de bens e evitar a usura. O Monte dei Paschi di Siena foi fundado no século XV e é o mais antigo banco do mundo. Está hoje nas mãos do Estado, depois de resgatado e resolvido por mais de cinco mil milhões.
O Montepio português, associação mutualista, foi fundado em 1840 com o nome de Monte Pio dos Funcionários Públicos. Mais tarde, vieram o banco e outras actividades conhecidas.
A Misericórdia de Lisboa, fundada pela Rainha D. Leonor, tem mais de 500 anos. Foi estatizada no século XIX pelos liberais. Assim ficou com a monarquia constitucional, a república e o corporativismo. Até que os revolucionários de 1974 extinguiram as misericórdias. Com a democracia, a nacionalização foi revogada, mas a Misericórdia de Lisboa continuou no Estado. Além dos jogos, sua principal fonte de rendimento, tem um vasto património e é a mais importante organização de solidariedade portuguesa. Ocupa-se de doentes (Alcoitão, por exemplo), pobres, velhos e crianças.
É fácil perceber por que razão a Caixa Económica Montepio Geral deseja que a Santa Casa da Misericórdia entre no capital do banco. Salvo erro, é simplesmente porque teve má gestão, precisa de dinheiro, não tem as contas em ordem e corre riscos de falência, resgate ou resolução. A Associação Mutualista Montepio Geral, proprietária do banco, quer a mesma coisa, isto é, que alguém entre com dinheiro, mas de modo a ficar a decisão inteiramente do lado dos seus actuais proprietários.
Já é muito mais difícil perceber por que diabo quer a Misericórdia de Lisboa comprar parte do banco do Montepio. Não se consegue entender. A tentação do negócio? A atracção sedutora e fatal da banca? A importância social e política? Ou simplesmente obedecer ao Governo?
O governo tem as suas razões, evidentemente. Pela boca de ministros avulso, sabe-se que o governo vê com bons olhos que a Santa Casa entre no Montepio. Os riscos desta operação são enormes. Uma instituição em bom estado, com um orçamento superior a 200 milhões de euros, vai exercer funções fora do seu estatuto para se perder numa outra em mau estado. Será que o Governo quer arranjar alguém que resolva o banco, sem ter de gastar o seu dinheiro e sem agravar o défice? Mas a Santa Casa é do Estado… Quer o governo evitar a resolução e a falência (como os outros bancos conhecidos)? Vai o governo ficar com dois problemas graves (Montepio e Santa Casa) em vez de um só?
Há evidentes riscos para milhares de pensionistas do Montepio, para outros tantos doentes, pobres, idosos e crianças apoiados pela Santa Casa. É chocante a irresponsabilidade dos governantes! E ainda mais surpreendente é a quase ausência de protestos na opinião pública. Só não se espanta quem pensa que os Portugueses estão já tão moralmente corruptos que não se importam com a destruição de instituições de apoio social, em nome de opções políticas de oportunidade.

DN, 28 de Janeiro de 2018

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Dá que pensar, realmente.
Cá estamos, portugueses de sempre e como sempre, iguais a nós próprios.

28 de janeiro de 2018 às 17:39  

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