20.12.19

Pelo menos homenzinhos

Por Joaquim Letria
Esta semana vi na televisão homens e mulheres a chorarem por terem sabido de surpresa, no mesmo instante, que estavam no desemprego porque a empresa de calçado onde trabalhavam tinha declarado o estado de insolvência. Por esse motivo não havia mais nada para ninguém.
Infelizmente esta é uma situação recorrente desde o início da revolução industrial. E também recorrente, pelo menos em Portugal, é o modo dos operários e operárias, funcionários e funcionárias saberem que vão para casa, em alguns casos marido e mulher, sem levarem muito para porem na mesa dos filhos. Foi o que se passou nesta empresa de calçado.
Gente com anos e anos de casa, reconhecidos pelos patrões, são postos a andar nuns casos com um edital colado na parede, noutros pela voz de um ou dois advogados que se prestam a este trabalho de gato-pingado. E foi o que sucedeu no caso desta semana, o que levava uma senhora lavada em lágrimas a queixar-se, à frente das câmaras, chamadas pelos inúteis sindicatos, “isto não se faz”“não é assim que se faz, não merecemos que nos tratem desta maneira”.
A falência, a insolvência, merecem a nossa compreensão ainda que muitas vezes decorram de falta de visão, preguiça patronal, nenhuma antecipação das realidades dos mercados e desinteresse ou ignorância. É o caso do calçado. Quando eu vejo gente vestir um “smoking” com uns sapatos de ténis calçados e quase ninguém comprar sapatos de pele ou camurça, tenho de antecipar o que aí vem. E mudo para o fabrico dos ténis ou busco pequenos nichos de importadores que ainda se interessem pelo estilo clássico. Se assim não se faz, vem aí o desastre.
Mas acima do salário, do reconhecimento, da lealdade e dedicação vem a dignidade. E desaparecer sem olhar ninguém nos olhos, sem um aperto de mão, sem explicar que “é injusto, custa-me muito mas tem de ser”, sem um reconhecimento, não é de homem. Ao menos um meio homem que seja capaz de acompanhar os advogados contratados para tal tarefa e explicarem as condições.
Ao longo da minha vida vi figuras públicas serem despedidas por uma carta de duas linhas a comunicarem o fim “da ligação a esta empresa no dia 30 do corrente mês”. Vi colaboradores a serem dispensados pela menina da recepção. Pelos vistos, a cobardia é uma modalidade muito praticada nacionalmente, pensando no triste caso desta semana. O que é de lamentar é entre os patrões não haver, já não digo homens, mas, pelo menos, homenzinhos.
Publicado no Minho Digital

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3 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

Como se costuma dizer,”dar a cara”,não é uma característica do povo português. Talvez, por isso, sejamos, de uma forma geral, um povo tão amorfo Desejo-lhe um Feliz Natal e um Bom Ano Novo.

20 de dezembro de 2019 às 13:34  
Blogger Dulce Oliveira said...

Confirmo na primeira pessoa a tristeza que é perder o emprego de décadas. No meu caso tive patrões que foram uns Homens.

20 de dezembro de 2019 às 20:22  
Blogger Bmonteiro said...

«... nós somos púnicos, parecemo-nos com os mercenários de Amílcar e todos esses matreiros do mediterrâneo. Nós somos girinos...»
“O quinto império”
Dominique de Roux (1977, Paris)
Governados por miseráveis sátrapas.

20 de dezembro de 2019 às 21:15  

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