23.1.20

Memórias da Guarda – Minicrónica

Por C. Barroco Esperança
Na Escola do Magistério houve um curso facultativo de Defesa Civil do Território que era obrigatório. Parece um paradoxo, e foi realidade para todos os alunos.

Era promovido pela Legião Portuguesa, comandada na Guarda pelo ten. cor. Matos, e ministrado pelo filho deste, o médico Piçarra de Matos, e um legionário que fazia as demostrações práticas, o único homem regente escolar que conheci, sem posto escolar.
Não me inscrevi para ouvir noções de primeiros socorros e aprender a colar papéis nas janelas em caso de bombardeamentos aéreos. Fui chamado ao diretor, Armando Saraiva de Melo e, pelo tom da pergunta, manifestei vontade imediata de me inscrever, e desisti de uma hora semanal de namoro para ajudar a ganhar a vida ao filho do ten. cor. Matos.
No dia do ‘exame’, cuja nota era irrelevante para o curso, as respostas foram escritas no quadro e todos tivemos 100% de respostas certas e 16 valores, menos eu, que tive 15, e demorei a perceber a honra da exceção.
Quando fui dar aulas para a Covilhã, recebi duas cartas, dirigidas à Delegação Escolar, onde o comando da LP da Guarda me mandava comunicar a morada, para atualização do ficheiro da Legião.

Como não respondi, recebi terceira carta a intimar-me, sob pena de não sei de quê, para comparecer no comando da Legião, na Guarda, em um dos três sábados seguintes.
Lá fui, como o boi para o açougue, logo recebido, e asperamente censurado por não ter respondido ao solicitado. Referi o nome da pensão onde estava hospedado, e o ten. cor. Matos entregou-me uma ficha para me inscrever na Legião Portuguesa. Recusei fazê-lo e dar qualquer justificação. Fui determinado e, face à recusa, com ameaças e remoques, lá me deixou sair com a dignidade intacta, medo e nojo acrescido pelo biltre.
Até hoje nunca tive coragem de perguntar a colegas do meu curso se foram obrigados a inscrever-se. Seria constrangedor, e nenhum merecia ser humilhado por eventualmente ter cedido a um ato de chantagem.

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