Grande Angular - Os desastres da demografia
Por António Barreto
Os portugueses comovem-se! Os dados do INE relativos à população actual confirmam o que já se conhecia: a população portuguesa está a diminuir! Não é a primeira vez que isto acontece, já tinha ocorrido nos anos 1960, aquando da grande hemorragia da emigração. Mas agora, depois de tantos progressos, é desanimador, para uns, inquietante, para outros. Em 2021, a população é igual à de 2000. Parece haver um paralelismo: vinte anos sem crescimento económico foram também vinte anos sem crescimento demográfico!
Os dados são simples. A população total está a diminuir. Os saldos naturais (diferença entre nascimentos e óbitos) estão a ficar consistentemente negativos. Os saldos migratórios (diferença entre emigrantes e imigrantes) são, em grande parte, negativos. Natalidade e fecundidade persistem na redução.
Outros dados escurecem as já sombrias cores da nossa demografia. O número de pessoas a viver sozinhas continua a aumentar. Tal como aumentam as famílias sem filhos e as famílias monoparentais (filhos e só a mãe ou só o pai). Diminui ainda o número de filhos por agregado familiar.
Os portugueses receiam os perigos de extinção daqui a umas décadas. Desaparecimento de Portugal ou dos Portugueses. Ou de ambos. Por outras palavras, o país e a população que ocupam este território serão bem diferentes do que são hoje. Dentro de algumas décadas, o nome do país, a nacionalidade e a origem étnica dos seus habitantes, a cultura e a língua dos seus cidadãos poderão ser muito diferentes do que conhecemos.
Esta tendência é geralmente considerada negativa. Fala-se de “inverno demográfico”, de “declínio populacional” e de “desistência nacional”. Por isso é tão frequente ouvir dizer que este é o mais grave problema nacional, que não deveria ser ofuscado por outros, a bancarrota, o endividamento, o desemprego, a pobreza, o racismo, a pandemia e as alterações climáticas. Sem escala de gravidade, o problema demográfico é mesmo muito importante, prioritário e grave, qualquer que seja a perspectiva.
Mas convém não perder de vista umas realidades simples. Primeira, na maior parte dos países do mundo, o problema é o da sobrepopulação e de altas natalidades, para o que se gastam milhões de recursos, pessoas e programas de controlo de nascimento e de contracepção. Segunda, dezenas de países estão a perder população. Portugal está longe de ser o único. Terceira, não é seguro que aumentar a população seja uma necessidade e um melhoramento.
De qualquer maneira, perante o “declínio dos Portugueses” e diante da ameaça de “desaparecimento de Portugal”, muitos são os que pensam nos remédios. No que se deve fazer. Como reter portugueses em Portugal? Como favorecer a natalidade dos portugueses? Como fomentar a fecundidade? Como convencer os portugueses a fazer filhos? Como arranjar emprego para toda a gente? Como travar a emigração? Como favorecer a imigração e a miscigenação?
Todas estas perguntas são excelentes. Mas partem de uma princípio incerto: é melhor ter mais portugueses. Aumentar o número de portugueses? Porquê? Impedir o decréscimo do número de portugueses? Porquê? Evitar o desaparecimento dos portugueses? Que quer isso dizer? Porquê? E como aumentar o número de portugueses? Com ou sem imigrantes? Com ou sem mistura? Com que imigrantes? De que cor, de que etnia e de que continente? Mas então, o que faz ser português? Pretende-se simplesmente aumentar o número dos que aqui vivem e elevar o número de portugueses “clássicos” de acordo com critérios culturais e étnicos?
Como se pode ver, estas perguntas exigem repostas difíceis, a maior parte delas controversas, contraditórias mesmo. Quem quer travar a emigração deve fazê-lo de autoridade ou oferecer bons empregos e rendimentos elevados? Quem quiser compensar a quebra de natalidade pretende agir com abonos e condições de maternidade excepcionais ou recorrer à imigração?
Travar a emigração é muito difícil. Tal objectivo exige crescimento económico, emprego satisfatório, bom salário, bons rendimentos, alguma segurança, estabilidade, habitação decente, boas escolas para os filhos e os netos. Nessas condições, é provável que a emigração diminua. Desde que nos outros países não haja ainda melhores condições, evidentemente. É razoável pensar que, com desenvolvimento e bem-estar, não são os trabalhadores que emigram, mas sim os cientistas, artistas, intelectuais, gestores, técnicos, os investigadores…
Com a natalidade, tudo é mais difícil. Apesar da facilidade com que os demagogos dizem que é possível, travar a sua quebra é dos objectivos mais complexos que a Humanidade conhece! Aumentar a natalidade poderá exigir mais estabilidade, condições favoráveis a projectos de vida, mais rendimentos, mais educação, mais saúde, melhor habitação e mais cultura. Tudo isso parece ser verdade. Só que, quanto mais se tem isso tudo, menor é a natalidade, mais as famílias diminuem, menores são a fecundidade e o número de filhos. É possível que o trabalho a tempo parcial das mulheres ou dos pais em geral ajude. Mas há demonstração estatística de que quase nunca é assim.
Com a natalidade, é tudo complicado. Bom rendimento está relacionado com fraca natalidade. Geralmente, famílias e países com altos níveis de vida têm baixas natalidades. Isto nem sempre é verdade no plano dos países individualmente considerados. Por exemplo, a França, muito mais desenvolvida do que Portugal, tem natalidade superior. Mas a Alemanha, ainda mais desenvolvida do que Portugal e a França, tem natalidade inferior.
Os 90 países com natalidades mais elevadas do mundo são países de África, Ásia e América Latina com níveis de vida muitíssimo inferiores aos dos países com menor natalidade. Os 50 países com mais baixa natalidade do mundo são países da Europa e da América (um ou outro da Ásia), mais ricos e educados! Rendimentos, empregos, estabilidade, cultura e educação ajudam a projectos de vida mais ricos, mas não mais fecundos: quantas vezes esses projectos de vida exigem menos filhos!
Por agora, uma coisa é certa: o objectivo essencial não é o aumento do número de portugueses! O essencial é apoiar quem escolhe, quem quer cá ficar, quem quer cá fazer família e quem quer para cá vir. O objectivo das políticas públicas é o de permitir que cá vivam os que querem cá viver!
Público, 14.8.2021
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