4.2.22

AVELINA

Por Joaquim Letria

«Por que raio escreve você  agora no Minho Digital?!»

É com este caloroso cumprimento que alguns conhecidos meus festejaram o início da minha colaboração com o jornal do meu amigo Manso Preto.

Claro que não tenho satisfações a dar-lhes, mas sempre vou dizendo que é por me apetecer, por gosto e porque ninguém tem nada com isso. Mas se tivesse que apresentar justificações mais profundas também o poderia fazer. Mas era o que faltava!

Agora aqui só para nós, que ninguém nos ouve, posso falar-vos  da minha Avelina, uma mulheraça que me encheu de Alto Minho desde a minha nascença. E me moldou para a vida e me divertiu  como nunca mais ninguém o fez, Avelina, minha querida, minha amiga, minha camarada, minha quase mãe.

Quando nasci, a minha mãe, violinista de orquestra sinfónica com 24 anos de idade, morreu com um ataque de eclâmpsia, doença que hoje em dia poucas parturientes mata, felizmente. Fiquei a berrar numa gaveta aberta de lençóis de cama que serviu de meu primeiro berço, no improviso da aflição que foi o início do amor dos meus avós a quem tudo devo. A minha avó nem hesitou:

-Temos de lhe arranjar uma ama de leite!


Foi assim  que a Avelina desembarcou em Lisboa com a minha irmã de leite Esmeralda ao colo, proveniente do Alto Minho, onde amigos da minha família a desencantaram para me dar de mamar. Mamei  nas tetas da Avelina até começar a comer papas e mioleiras e me nascerem os primeiros dentes.  A Avelina ficaria então ao serviço da nossa casa até se tomar de amores por um motorista da Carris com quem embarcou para Angola, tinha eu 14 anos.  

A Avelina era duma aldeia do Alto Minho que não nomeio para não ser indiscreto e tinha engravidado do pároco que ali também tratava das almas. Logo a família e devotas senhoras trataram de pôr a moçoila a andar para não haver escândalo e terá sido assim que ela chegaria a casa da minha família, de mamas cheias e roída de saudades do padre.

Só falo disto agora, e com discrição, pois se a CIA divulga informações sensíveis ao fim de 30 anos, eu penso que posso contar esta história ao cabo de 73, sem magoar ninguém, pois sou o único sobrevivente e decerto que o Senhor a todos já perdoou quando os recebeu no céu, onde me esperam para gozarmos juntos as delícias da vida eterna.

A Avelina encheu-me de arroz de sarrabulho, de rojões, de cozido à minhota, de vinho verde tinto e outros prazeres da vida que perduram até hoje. À  noite, enquanto me fazia companhia quando eu tinha medo do escuro, contava-me histórias de bruxas, de amores e falava-me do Minho até eu adormecer. Escrever aqui é regressar à infância e voltar a encher-me de Minho. Mas não dou satisfações a ninguém por me sentir em casa ao escrever aqui. Era o que faltava!

Publicado no Minho Digital

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