Grande Angular - Imigrantes: As escolhas (2)
Por António Barreto
Por egoísmo e necessidade, Portugal acolhe todos os anos uns milhares de imigrantes de que precisa. No quadro da quebra de natalidade verificada nas últimas décadas, os motivos são muitos. Os mais importantes estão ligados ao trabalho e à economia. Sobressaem as necessidades de mão-de-obra. Há falta de trabalhadores em muitos sectores. Os residentes emigram ou fogem de certos trabalhos. Os imigrantes ajudam à produção nacional e à exportação de bens e serviços, assim como ao aumento do consumo. Os legais contribuem para os rendimentos da Segurança Social e para as receitas fiscais. Por todas estas razões, Portugal necessita de imigrantes.
Não é só por necessidade que Portugal acolhe imigrantes. Há também motivos relacionados com os valores dominantes em cada tempo e sociedade, como sejam a humanidade e a solidariedade. Ou obrigações ligadas a compromissos e ao espírito prevalecente em comunidades internacionais. Sem falar na humanização destas políticas, como se pode verificar quando há imigrantes que se justificam pela reunião famílias. Cada país tem refugiados em múltiplas situações que ilustram estes motivos para as migrações e que estão por vezes bem longe do interesse e da necessidade.
Há, no mundo, milhões de candidatos à emigração para países mais ricos, desenvolvidos, abertos e com necessidades de mão-de-obra. Conforme os quadrantes geográficos e as relações sociais, políticas e económicas, os candidatos à emigração dirigem-se para os países da sua escolha. Ou que se enquadrem numa tradição social, política e cultural. Ou simplesmente países que oferecem oportunidades. Há também milhões que tentam fugir por desespero e miséria, para sobreviver. Dirigem-se para qualquer país possível. Muitos são perseguidos e procuram abrigo. A grande maioria dirige-se para os países europeus e norte-americanos. Há também, em números consideráveis, pessoas que se deslocam para qualquer sítio, de preferência países vizinhos, para fugir às guerras. Vários países africanos estão nestas circunstâncias. Actualmente, também da Ucrânia partiram milhões de deslocados.
As políticas dos países de acolhimento variam. Uns têm controlos apertados e exigem contratos de trabalho, períodos experimentais, actividades sazonais antes de empregos permanentes e autorizações temporárias antes das definitivas. Há países que tentam administrar as migrações segundo as necessidades da economia, as oportunidades de trabalho, a existência de familiares já estabelecidos e as especialidades profissionais. Há ainda os que tentam definir quotas por nacionalidade, isto é, só aceitar originários de certos países. Há finalmente países que abrem as portas a imigrantes sem controlo ou quase sem condições.
Importa notar que, entre os países que recebem imigrantes e refugiados, contam-se só democracias. As ditaduras e regimes equiparados não aceitam imigrantes nem refugiados. Não há imigrantes na China, na Rússia, na Bielorrússia, na Venezuela ou na Coreia do Norte. Como não havia na União Soviética ou nos países comunistas, nem nos países fascistas. Das ditaduras foge-se, para elas não se emigra. Os êxodos de massas em situação de guerra podem, como foi várias vezes o caso em África, orientar-se para países próximos da ditadura, mas trata-se de emergências vitais.
Em Portugal, como em quase todos os países da Europa e da América do Norte, discutem-se as políticas de acolhimento. Os problemas são muito graves. Já se percebeu que esta questão está em agravamento e vai transformar-se num dos mais sérios problemas da Europa. Ainda por cima, estamos a tratar de questão que exige aproximação global, isto é, europeia, mas também nacional. É provável que nunca se consiga pôr em prática uma política europeia. Cada povo tem a sua história, a sua cultura e os seus amigos. Por mais que se avance na integração europeia, a diversidade marcará as escolhas e as políticas. E quando esta não é respeitada, as pulsões nacionalistas, democráticas ou não, surgem imediatamente.
A política dita de porta aberta, de acolhimento de quem vem, de tolerância com a ilegalidade, é um estímulo às piores condições de imigração. Por exemplo, às redes de tráfico de trabalhadores, uma espécie de negreiros, que, dos confins da Ásia ao Próximo Oriente e do Mediterrâneo a África, organizam os fluxos, incluindo salva-vidas deficientes, mudanças de barcos e de aviões, alternância de autocarros e outros meios de transporte. Esta gente deveria ser perseguida. Os preços de uma passagem para qualquer país da Europa podem oscilar entre três e trinta mil euros. Os acidentes, os naufrágios e as mortes acidentais fazem parte da pressão exercida sobre os países de acolhimento para que, por motivos humanitários, recebam toda a gente, especialmente mulheres, crianças, idosos e parturientes. Pior ainda: os acidentes estimulam o negócio.
Quaisquer que sejam os argumentos, das necessidades de mão-de-obra à humanidade, uma coisa é certa: as práticas seguidas actualmente por Portugal são incentivos à clandestinidade, ao tráfico e ao abuso dos imigrantes pobres, sobretudo dos ilegais. Por isso, as melhores políticas de acolhimento são aquelas que definem os princípios orientadores de controlo de movimentos e de legalidade de contratos de trabalho e de autorizações de residência.
Além disso, é natural que um país queira privilegiar umas tradições e umas culturas, isto é, umas nacionalidades, em detrimento de outras. Também parece natural que um país, o seu povo e os seus representantes queiram definir preferências profissionais, isto é, imigrantes que venham preencher lacunas, abrir oportunidades e desenvolver certas actividades.
As políticas de imigração, em Portugal e noutros países europeus, não são sufragadas pelo eleitorado. E deveriam ser. Quase não há referendos sobre a imigração, nem aliás é certo que esse seja o melhor método de decidir. O parlamento nunca foi chamado a aprovar uma política consistente e pormenorizada de imigração. Nos programas eleitorais, os partidos ficam-se por proclamações vistosas sem medidas concretas. Em geral, os partidos têm medo de se comprometer com as migrações. Preferem agir, no governo, por medidas administrativas. Ou deixar correr a vida e acudir quando há problemas.
Ora, uma coisa é segura. É absolutamente legítimo que um povo queira decidir o que é melhor para si, sobretudo no que toca à população. A melhor maneira de o fazer é evidentemente a de escolher as vias e os compromissos que lhes são apresentados. Desde que o sejam!
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Público, 4.3.2023
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