13.1.24

Grande Angular - Santos e diabos. Polícias e ladrões.

Por António Barreto

O Partido Socialista é, cada vez mais, o partido do regime. Está a ficar parecido com o que foram, durante uns tempos, o Partido Conservador britânico ou os partidos Gaullistas franceses. É o partido da democracia portuguesa. Não era esse exactamente o sonho de Mário Soares, mas foi o de Sá Carneiro e a obsessão de Cavaco Silva. Os dois últimos falharam. Nunca estiveram tão próximos de ser o partido do regime como o PS de hoje, herdeiro de Guterres e de Sócrates, filho de Costa e de Santos. O que é uma vantagem para os socialistas e certamente um motivo de orgulho. Mas os benefícios para a população são muito discutíveis.  Até porque não é partido do regime quem quer e só porque quer. É também preciso que o deixem ser.

 

O grande sonho do PS consiste em transformar-se numa espécie de PRI mexicano, o Partido Revolucionário Institucional! Só o nome é um programa! Único na história a juntar, na mesma designação, revolução e instituição! O PS conseguiu meter tudo dentro. Do liberalismo ao socialismo, passando pelo corporativismo. Tanto ajuda, apoia, subsidia e controla a economia privada como a empresa pública. Foi o maior obreiro da Constituição, mas também o seu mais importante revisor ou revisionista. Dentro de si cabem todos. Há lugar para todos e acredita em tudo, desde que esteja no poder e que os seus dirigentes desempenhem as primeiras funções.

 

Na verdade, dentro do PS, há de tudo. Santos e demónios. Polícias e ladrões. Virtuosos e bandidos. Maçons e católicos. Rigorosos e trafulhas. Por isso se sucedem a si próprios, por isso se alternam. Neste PS, está o público e o privado. O nacional e o estrangeiro. O judeu e o palestino. O americano e o russo. Guterres e Sócrates. Costa e Santos. Tudo cabe no PS que consegue sempre mudar de pele sem mudar de corpo. Melhor ainda, o PS é capaz de criticar, com aparente inocência, o que está mal no país  e não corre bem por sua própria responsabilidade. Com enorme sentido da oportunidade, faz o mal e a caramunha.

 

Sempre o PS teve uma predilecção pelos serviços públicos. É o seu melhor lado, a sua primordial inspiração. Acontece que é crente, mas não praticante. O estado actual em que se encontram muitos serviços púbicos faz-nos pensar em ciclos de bancarrota ou situações depois de catástrofe natural. As cidades são esvaziadas, é o termo, dos seus habitantes tradicionais. Nas ruas de Lisboa e Porto, regressam os mendigos, os sem abrigo e os despejados sem capacidade económica. A crise da habitação parece planeada pelos especuladores. O caos do Serviço Nacional de Saúde é inimaginável. É escandalosa a absoluta falta de previsão das necessidades, dos meios, dos profissionais e dos recursos para a saúde. Tal como a incapacidade para gerir a escola pública, que parece em permanente desastre.

 

O partido e os seus dirigentes revelaram um excepcional talento para adoptar todas as políticas possíveis. Sucessivamente ou, se for necessário, ao mesmo tempo. Aliaram-se com a direita, com o centro e com esquerda, com a mesma sinceridade. É o único partido que já se coligou com quase todos os outros: CDS, PSD, PCP e Bloco, sem falar nos governos provisórios onde estavam em circunstâncias excepcionais. Nacionalizaram e privatizaram com igual alegria. Tiveram tantas políticas económicas, agrícolas e industriais, quanto os ministros que nomearam e não foram poucos. Com igual firmeza, foram centralistas, descentralizadores e regionalistas. Construíram incansavelmente o Serviço Nacional de Saúde, que estão em vias de destruir ou deixar decair com cuidadosa minúcia. Tiveram várias políticas de educação, ao sabor dos ministros, com cujas ideias, as boas e as más, navegaram alegremente. Foram campeões do endividamento e brilharam pelo modo como reduziram o mesmo. Levaram o país à bancarrota e pediram assistência financeira internacional. Quando havia recursos, gastaram tudo o que havia para gastar e foram, depois, autores dos primeiros grandes programas de austeridade. Defendem a abertura de fronteiras, são tolerantes e amigos dos imigrantes, mas os seus governos são os que mais permitiram o desenvolvimento do tráfego de mão-de-obra ilegal e a sobre-exploração de trabalhadores estrangeiros.

 

Os socialistas podem gabar-se de ter estado em todas, de terem sido responsáveis por tudo! Foram favoráveis a pelo menos quatro localizações diferentes para o aeroporto de Lisboa. Tal como apoiaram, hesitaram e combateram o TGV ou, antes disso, as auto-estradas. Nacionalizaram e privatizaram a TAP com igual destreza.

 

O novo secretário geral, Pedro Nuno Santos, anunciou ao que vinha. Depois de um enorme elogio ao antepassado António Costa e ao seu tempo histórico, garantiu que tudo isso, Costa e o seu tempo, estava acabado. Terminado. Ultrapassado. E prometeu que agora tinha chegado a sua vez. A “nossa” vez, como disse. Com singela delicadeza, anunciou tudo o que de novo e diferente quer fazer, tendo denunciado tudo o que anteriormente fez e em que colaborou.

 

O partido de regime necessita de apoio popular. Hoje, na imprensa e na comunicação, tem-no como ninguém. Pedro Nuno Santos, depois de obra mal feita e antes mesmo de obra nova, tem o favor da imprensa como raros políticos recentes. Depois de, na oposição, ter ameaçado os alemães e os banqueiros europeus, é agora, ao comando do partido, um doce e sensato aliado da finança internacional, do capital estrangeiro e das empresas europeias. O seu programa económico, saído directamente da universidade, anunciado no encerramento do congresso, é uma declaração de paz e de rendição à economia europeia e ao capitalismo internacional, mesmo se na versão moderna, sistémica e tecnológica. Prepara-se para fazer, à direita, o que a mão esquerda não vê.

 

Nem sempre é mau haver um partido de regime. Ou antes, um partido de regime não tem só más consequências. A democracia cristã em Itália, o partido Gaullista em França e o PRI no México, por exemplo, desempenharam essas funções durante uns anos e garantiram ciclos importantes na história dos seus países e na consolidação democrática. Mas também tiveram péssimas consequências políticas e sociais, sem falar na corrupção a pior chaga dos partidos de regime. Na verdade, a constituição de uma “grande família” de regime e partido é muito negativa para as liberdades e a honestidade. E tenhamos consciência de que, em democracia, um partido destes é assim porque os votos querem e os outros o deixam ser.

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Público, 13.1.2024


 

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2 Comments:

Blogger bea said...

Verdade, somos todos culpados do estado das coisas, como se pode ler no último parágrafo. A questão é: qual a forma de emendarmos a mão. Talvez o resultado das eleições seja uma ingrata surpresa. Ou mais do mesmo.

13 de janeiro de 2024 às 10:31  
Blogger opjj said...

QUANTO à imigração só mnão vê quem não quer.
Foi preciso ACOSTA ir á Índia- não me recordo daquilo que disse- mas foi o suficiente para encher as cidades de indianos com turbantes,explorados,pés descalços e aos montes a dormir e a vaguear pelas cidades.
Com a Lei das familias, elas virão porque sabem que, há subsídios que crescem com o número de filhos.

13 de janeiro de 2024 às 18:38  

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