Grande Angular - Boas e más notícias
Por António Barreto
É a notícia que fica deste fim de ano. O “Economist”, prestigiada revista e importante centro de estudo e informação, publica, uma vez por ano, uma classificação do comportamento das quase quarenta economias desenvolvidas (da OCDE) no último ano. Portugal, país do “pastel de nata”, como eles próprios referem, em português no original, ficou em primeiro lugar. Finalmente, nem que seja por um ano, Portugal é o melhor do mundo, designação mil vezes repetida a propósito de todas as coisas e nunca verdadeira. Depois de termos sido informados de tal feito, já ouvimos tudo. É merecido, é uma confirmação e ninguém faz melhor, dizem uns. Ou então, não é bem assim, faltam muitos critérios, é uma visão parcial, é só capitalismo e falta o mais importante, garantem outros. Felizmente, temos de viver com todas as opiniões. Ainda bem que é assim. Mas, para já… Parabéns aos portugueses, aos trabalhadores, aos empresários, aos gestores e ao governo…. Parece a consagração de um breve período de alguns anos durante os quais foi possível melhorar o crescimento, a inflação, o produto, o investimento, o emprego e a exportação. Assim os portugueses consigam manter o ritmo e progredir. Há muitos anos que precisávamos disto.
Boa notícia também é a do balanço da pobreza em Portugal, válido para 2024. O INE (Instituto Nacional de Estatística) e Carlos Farinha Rodrigues publicaram e comentaram os dados do inquérito anual às condições de vida e do rendimento. A “taxa de pobreza” ou a percentagem de pessoas a viverem em risco de pobreza passou de perto de 16% para 15%, atingindo o seu valor mais baixo dos últimos trinta anos! Acrescente-se que a taxa de risco de pobreza diminui para cerca de metade com a inclusão das transferências sociais (reforma, pensões, saúde, família, etc.). Tudo isto merece análise pormenorizada, mas os valores mais gerais são estes. Será preciso prestar atenção às condições de habitação (em degradação acentuada) e à pobreza infantil (em risco de crescimento). Como importa não generalizar estupidamente, como seja, por exemplo, assegurar que a qualidade de vida dos portugueses melhorou significativamente. Mas o que é certo é que esta enorme chaga da sociedade, que é a persistente pobreza, teve uma diminuição importante. E que o indicador de desigualdade, outra ferida profunda na população portuguesa, melhorou também.
Má notícia foi a greve geral e sobretudo as reacções, designadamente as do governo. As avaliações e as estimativas raiaram a loucura ou o surrealismo. A participação ou o número de grevistas situam-se entre os menos de 10% (para o governo) e os mais de 80% (para a confederação sindical). Como não há instituição isenta capaz de avaliar, ficamos dentro destes valores, de acordo com as nossas simpatias. Mas é pena que assim seja. Conhecermo-nos a nós próprios e perceber melhor os factos serão sempre bons princípios de vida.
De qualquer maneira, a pior avaliação deve ser a do governo. Classificar de “inexpressiva” uma greve geral que, queiram ou não, teve realmente significado e expressão, é de uma inesquecível indigência política. Não havia comboios nem eléctricos, faltavam os autocarros, rareavam os aviões e, pela falta de movimento e de trabalho, os carros eram escassos. Muitas cirurgias e consultas foram canceladas. Numerosas escolas em todo o país encerraram. Dezenas de serviços públicos reduziram as suas actividades ou fecharam portas por falta de condições e de funcionários. Na ausência de transportes públicos, os preços dos carros de aluguer para certos trajectos aumentaram até 200% ou 300%. Pelo que se percebe, a greve foi importante e significativa. Foi também muito irregular, desde sectores privados no comércio e na indústria totalmente imunes, até aos que sofreram reduções muito significativas. Esperemos que um dia haja, para futuros casos, instituições de avaliação ou arbitragem isentas que nos informem e que impeçam o governo de se comportar como uma autocracia de outras paragens e de outros tempos.
Verdade é que o actual governo faz o que faz com intenção, não por estupidez ou ignorância. Pretendeu alterar de modo excessivo e desnecessário as leis laborais porque quis abrir clivagens e rupturas na sociedade. Tentou fazer leis que provocam mais instabilidade e conflito do que produzem melhoria social e económica, pois que pretende avivar a luta das classes. O governo vive obcecado com o sentido da fatalidade, com a ausência de maioria absoluta, com os riscos de dependência do Chega ou dos socialistas, com a impossibilidade de levar a cabo seu plano. O governo receia o contágio do Chega, assim como a sua mordida de morte. É verdade que o governo também quer dar poder aos seus amigos, da política e da economia. Mas esse é um desejo passageiro. O que realmente procura é a maioria absoluta, que julga poder alcançar com o conflito e o afrontamento. O governo sabe que as suas propostas de regras laborais para as mulheres, para os despedimentos e para os precários são desnecessárias e insensatas. Não procura o equilíbrio, tenta a instabilidade. É isso que quer.
Outro exemplo de má notícia é o persistente mau estado dos serviços públicos. Parece cada vez mais ser esta a grande chaga da sociedade actual. Toca a todos, mas agrava ainda mais a desigualdade. Castiga os mais fracos. Impede o crescimento. Aumenta a injustiça. E leva os cidadãos ao desespero. É a mais detestável praga da sociedade. Mesmo quando a economia cresce, a qualidades dos serviços baixa. Até quando a pobreza e a desigualdade diminuem, a inoperância e a ineficácia dos serviços públicos, com a respectiva injustiça, persistem, duram, alastram e desmoralizam. Filas de espera em todas as instituições públicas, atrasos nos cuidados de saúde, desordem endémica nos transportes públicos, falta de ordem e limpeza nas ruas das cidades e mau atendimento na segurança social e nos impostos. Em nenhum destes casos parece haver o mais pequeno progresso recente. Em todos estes exemplos há um agravamento constante. Nem o governo, ou governos recentes, nem as grandes autarquias, muito menos as instituições se sentem motivados e preocupados com a tortura e o tormento de todos quanto necessitam de usar os serviços públicos.
O governo e seus conselheiros e estrategas estão convencidos de que uma pequena guerra social ou de classes pode trazer vantagens. E maioria absoluta. Por isso a vai procurar.
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Público, 13.12.2025
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