12.12.19

Bem-vindo a Lagos, Leonardo!

Apesar de eu ter sido condiscípulo de António Guterres, no liceu e na faculdade, tenho dele apenas uma vaga ideia, pois era pessoa muito dedicada aos assuntos de religião e pouco ou nada às lutas estudantis desses “anos 60”. Contudo, e embora o nosso relacionamento passasse de efémero a inexistente a partir de 1970, o certo é que, 30 anos mais tarde, ele ainda teve influência na minha vida profissional, devido à famigerada saga dos 3 submarinos, que o seu governo decidiu adquirir pela módica quantia de 1200 M€. 
Foi assim:
O negócio envolvia dois concorrentes — os franceses e os alemães —, e a opção, por uns ou por outros, dependeria dos produtos portugueses que eles adquirissem como “contrapartidas”. Para as enquadrar, havia os correspondentes Agrupamentos de Empresas, trabalhando eu activamente num deles, em representação da Efacec, que apostava nos fornecedores gauleses.
Ora, quando já tudo indicava que viriam a ser esses os preferidos, o PS perdeu as eleições autárquicas. E isso, que pelo senso-comum não deveria ter influência num negócio como aquele, acabou, no entanto, por atirar tudo de pantanas, incluindo o governo do país: é que Guterres, com esse pretexto (e quiçá por inspiração do Divino Espírito Santo), saltou majestosamente para fora do “pântano”, deixando o caminho aberto a Durão Barroso — que é como quem diz a Paulo Portas, que, sendo Ministro da Defesa, e para alegria de um outro Espírito Santo, veio a preferir os fabricantes alemães. Enfim, foi um processo muito animado que incluiu gente presa por corrupção (na Alemanha, não em Portugal...) — mas, se não se importam, mais não digo...
Portanto, e enquanto Guterres lá ia à sua vida, ficávamos nós entregues aos cuidados de um ex-MRPP que, escassos 27 meses depois, também mandou passear quem nele votara, dessa feita com o pretexto de ter perdido as eleições europeias.
No entanto, já desde o séc. XIX que havia políticos que “mandavam às urtigas” as expectativas dos seus eleitores — a começar por Calisto Elói (o herói de “A Queda de um Anjo”, de que Camilo nos fala) que, farto de aturar vereadores impertinentes e as chatices da terra a cuja Câmara Municipal presidia, rumou a S. Bento, onde se destacou como castiço deputado. Depois, e só no que respeita a presidentes de câmaras, foi a vez de Jorge Sampaio deixar a CML para ir para Presidente da República e, mais recentemente, de António Costa, que abandonou a mesma CML para ir para primeiro-ministro.
Pois agora calhou-nos a nós, lacobrigenses (que também temos uma CML e do mesmo partido), ficarmos órfãos da nossa Presidente da Câmara!
É interessante saber-se que essa curiosa atracção “beneditina” (que, além de Calisto Elói, também atacou o muito estimável Alípio, o Conde de Abranhos que Eça “glorifica”), não deixou indiferente Ramalho Ortigão, que lhe dedicou um par de divertidas páginas, onde descreve a ALEGRE chegada a S. Bento dos noveis deputados, as suas PENOSAS passagens pelo Parlamento e, por fim, os TRISTES regressos às terras de origem, num estado de abatimento tal, que nem as famílias os reconheciam.
Mas, tudo espremido, nada disso tem qualquer importância, e ainda menos se nos lembramos de que Leonardo da Vinci também nunca acabava o que começava, e nem por isso deixou de ser um génio. E é por isso que até parece uma pilhéria do destino o facto de a exposição comemorativa do 500.º aniversário da sua morte ter estado em Lagos, coincidindo com as eleições legislativas...
"Correio de Lagos" de Nov 19

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1 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

Um texto magnífico ! Cumprimentos

13 de dezembro de 2019 às 00:19  

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