17.12.22

Grande Angular - Ser e parecer

Por António Barreto

Portugal é um país corrupto? Não. Mas há corrupção em Portugal. E corruptos. E corruptores. Todos os dias aparece mais um caso, todos os dias se escondem mais uns episódios. Não se passa semana sem que políticos ou funcionários não vendam despachos e não comprem privilégios. Ou sem que empresários ou independentes não comprem decisões e ganhem vantagens. Pior ainda: a justiça muito permite, muito arrasta e muito atrasa. Sem justiça, Portugal parece um país corrupto. Muitos portugueses denunciam e condenam a corrupção dos outros, mas fazem vista grossa ou apreciam aquela de que são beneficiários. É provável que haja em Portugal alguns milhões de pessoas honestas e que se desolam de ver o seu país ser fraco com os aldrabões, morno com os trafulhas e tíbio com os ladrões. Mesmo com este panorama e com a certeza de que os poderosos da economia e da política se servem frequentemente da justiça débil, o país não vive na corrupção. Mas, uma vez mais, sem justiça, para lá pode caminhar.

 

Portugal é um país nepotista? Não. Mas há nepotismo em Portugal. E nepotistas. A maior parte das nomeações, das autorizações, das licenças e dos alvarás não favorece sistematicamente os familiares, os amigos ou os correligionários. Mas muitos favorecem. E a justiça, em geral, não vê. E a opinião pública, que condena essas práticas, é impotente. Até porque muitos cidadãos, quando podem beneficiar desses maus costumes, consideram-nos aceitáveis. Uma “ajudinha”, uma “mãozinha” ou uma “palavrinha” são vezes de mais os instrumentos de decisão e os factores de nomeação. Com um pouco mais de justiça, teríamos talvez mais regras respeitadas e mais processos claros. Quem sabe se não teríamos também mais mérito e menos apelidos e cunhas! E menos familiares e parentes no rol de nomeações.

 

Portugal é um país racista? Não. Mas há racismo em Portugal, claro. E racistas, sem dúvida. Não se conhece lei, instituição, organização ou empresa que deliberadamente beneficie uma comunidade, designadamente a de europeus, brancos e cristãos, em detrimento e prejuízo de outras, nomeadamente as de ciganos, negros, árabes, indianos, chineses, judeus ou islamitas. Mas há brancos que se julgam superiores. E minorias que pensam ter a razão e o direito à vingança. E sobretudo quem entenda que o problema das relações raciais só se resolve com violência. Há quem pense que os seus sempre dominaram e assim se deveria continuar. Mas também há quem pense que os seus foram sempre subjugados e por isso julgam ter hoje direito à desforra.

 

Portugal é um país machista? Não. Já não. Mas há machismo em Portugal. E machistas. Nenhum sistema conhecido, nenhuma lei, nenhum regulamento e nenhum estatuto consagra a discriminação de género, suporta a superioridade masculina e recompensa os maus tratos infligidos por homens. O progresso das mulheres no emprego, nas escolas, na administração publica, nas empresas, na cultura, no desporto e nas carreiras profissionais tem sido formidável. Mas a sociedade ainda é tolerante perante o assédio, a violência doméstica e a desigualdade. E nem sempre a justiça, ou antes, nem sempre os magistrados estão atentos à desigualdade e à opressão que resultam do machismo. Mas os progressos recentes permitem alguma esperança.

 

Portugal é um país analfabeto? Não. Já não. Mas ainda há analfabetos. Talvez meio milhão de portugueses actualmente vivos nunca leram um jornal nem escreveram um bilhete postal. Assim morrerão. Porque não soubemos tratar deles quando estavam com tempo e cabeça. Porque o nível médio geral da educação e da formação dos portugueses é, há vários séculos, baixo e muito inferior ao dos países europeus e ocidentais, mesmo até do que alguns países de outros continentes. Portugal nunca dedicou à educação, à cultura e à ciência o que poderia e deveria ter consagrado. Em geral os portugueses foram muito tolerantes com a ignorância.

 

Portugal é um país fascista? Não. E apesar de o seu número estar talvez a crescer, já quase não há fascistas em Portugal. Há quem considere que a democracia não resolve os problemas nacionais, conduz à decadência da nação e corrompe as almas e os espíritos. Como há quem pense que as liberdades são prejudiciais e que os cidadãos não têm igualdade de direitos. Há ainda quem queira expulsar ou oprimir imigrantes, estrangeiros e refugiados. E quem confie absolutamente na autoridade indiscutível. Mas a maior parte dos portugueses, assim como as instituições, as empresas e as organizações, prefere a democracia e as liberdades e não tem saudades da ditadura.

 

Portugal é um país subdesenvolvido? Não. Mas ainda é pobre. E muito desigual. A sua história, a complexidade das suas estruturas sociais, as suas relações externas, os seus costumes, a sua estrutura económica e a sua expressão cultural fazem do país uma nação desenvolvida. Apesar de pobre e inculta. Verdade é que é talvez o país mais pobre ou um dos mais pobres entre os ricos, o que reforça a sua aparência de pertencer ao “terceiro mundo”. Com quase mil anos de independência, não exibe as principais características dos chamados subdesenvolvidos.

 

Portugal é um país europeu? É. Sim. Mas dá tantos sinais de não querer ser ou de parecer não ser! Em grande parte da sua história, Portugal realizou-se fora da Europa. Ou antes, muito fora da Europa. Na verdade, o seu ponto de partida, a sua base, o essencial das suas crenças e dos seus costumes eram europeus. Mas o seu papel no mundo desempenhou-se externamente. Foi o seu papel no mundo que fez o seu lugar na Europa. Mal ou bem, em paz ou violência, com amigos ou inimigos, entre iguais ou submissos, Portugal fez o seu lugar, mesmo na Europa, graças ao que fez no mundo. Isso acabou. O mundo mudou. O que mais segura e enquadra Portugal é hoje a Europa. A Europa é a amarra sólida do país. É na Europa que Portugal encontra hoje os seus parceiros e o seu destino. É na Europa que o país encontra mais factores de identidade e desenvolvimento. É na Europa que Portugal pode cultivar as melhores artes, as maiores qualidades cívicas e os mais constantes valores morais.

 

Nem sempre parece, mas Portugal é melhor do que parece.

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Público, 17.12.2022

 

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