10.12.05

Acontece…

Como uma crónica neste jornal (*)
pode ser mais que uma leitura de viagem

EM AGOSTO trouxe para estas páginas a história daquele jovem de 19 anos, filho de pastor, que não tinha dinheiro para se matricular em Arquitectura apesar de ter sido o mais brilhante aluno da sua escola – e do país – com 19,9 valores em Geometria Descritiva. Chamei-lhe Ricardo, nome suposto, e não revelei em que região de Portugal vivia.

”É como um filme bonito mas não sei como acaba” escrevi no título dessa crónica, que terminava assim: “Como vai ser tratado pelo Estado, neste Portugal europeu do século XXI, um jovem que deu provas de valor mas… é filho de pastor… é, simplesmente, pobre. Um pobre pode ser arquitecto, aqui?”

Hoje trago-vos o desenvolvimento dessa história. Que se transformou na história de como uma crónica publicada no “Metro” pode ser mais do que uma leitura de viagem.

Um dia depois da publicação telefonaram-me deste jornal. Uma leitora queria falar comigo e deixara o seu contacto. Liguei-lhe de imediato. E a minha vida ficou mais rica.

Do outro lado da linha, uma voz tranquila e decidida. Jurista, casada com um arquitecto, vive na região de Lisboa, numa casa grande que ficara ainda maior quando os filhos, adultos, partiram para as suas vidas familiares. Leu a crónica no metropolitano, depois guardou o jornal e foi trabalhar. À noite, em casa, estendeu o jornal ao marido e pediu-lhe que lesse. E conversaram longamente. Nessa mesma noite ficou decidido que o Ricardo, o filho de pastor que não tinha dinheiro para estudar Arquitectura em Lisboa, seria muito bem-vindo se quisesse ir viver para aquela casa grande. Ali encontraria abrigo, alimentação e até ajuda nos seus estudos. Sem se falar em dinheiro, claro. O casal não era rico mas o que tinha, era suficiente para mais um.

Ouvi em silêncio. No fim, perguntei: e porquê?
E a resposta: porque não? Ele merece, não merece?
Insisti: mas nem sequer sabem quem é o rapaz…
Resposta: conhecemo-lo quando chegar, se ele quiser vir.

Reservo para mim o que penso sobre este casal, embora não seja muito difícil de adivinhar. Reservo também tudo o que se passou com o Ricardo, depois disto. É lá a vida dele. Mas não quis deixar de vir hoje revelar-vos como uma crónica publicada neste jornal pode ser muito mais do que uma leitura de viagem.
--
(*) Jornal «metro»

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Assim vale a pena escrever. Compensa sobejamente.
Não é todos os dias que há «Ricardos» merecedores. Nem todos os dias casais grandiosos e disponiveis, de portas abertas.
Mas, haverá sempre mais «Ricardos»...

Padeiradealjubarrota.blogs.sapo.pt

10 de dezembro de 2005 às 20:09  
Anonymous Anónimo said...

Casos destes merecem ser amplamente divulgados para que haja mais entre-ajuda a mais Ricardos.

11 de dezembro de 2005 às 18:54  

Enviar um comentário

<< Home