Passeio Aleatório (*)
As bolhas de champanhe
O BOM champanhe é uma bebida cara. A não ser que o leitor seja milionário ou passe a vida em festas, é pouco provável que o beba todos os dias. Se for como eu, bebe-o no Ano Novo e pouco mais. Que as Entradas tenham sido boas!
No champanhe, tudo ajuda ao prazer: a rolha que salta, o líquido que jorra para as taças como se fosse feito de bolhas, a efervescência, o ruído suave das bolhinhas a rebentar, o cheiro e o sabor. É uma coisa do outro mundo. Um dos maiores prazeres são as pequenas bolhas que irrompem no líquido e se abrem à superfície. É um prazer que resulta da aventura complexa de milhares de bolhinhas de gás, bolhinhas que crescem e morrem num processo que tem sido bem estudado pelos físicos.
Sabe-se hoje, por exemplo, que as bolhas de gás se formam em torno pequenas impurezas que existem nos copos e que depois sobem pelo líquido recolhendo mais gás.
Entre a formação da bolha original e a subida à superfície decorrem alguns segundos, de um a cinco. Mas ao chegar à superfície, uma bolha mantém-se apenas fracções de segundo, com a parte superior a brotar, mas quase toda mergulhada no líquido.
Esse facto é curioso, pois seria de esperar que a gota emergisse imediatamente e ficasse a flutuar, como por vezes acontece com algumas gotículas.
De facto a bolha de gás é muito mais leve que o volume de líquido equivalente e deveria pois flutuar, mantendo apenas uma fracção mínima submersa. Isso aconteceria se apenas actuasse a força de impulsão.
Mas há outra força em jogo, que resulta da tensão superficial. Esta última, tende a reduzir a superfície livre do líquido. Como a emersão da bolha aumenta essa superfície, a tensão tende a minimizá-la, como que querendo esticar a superfície do líquido, e mantém a bolha quase totalmente mergulhada.
O mais curioso acontece a seguir. A pequena parte da bolha que emerge está separada do ar por uma película muito fina que tende a tornar-se cada vez mais fina, pois o líquido que a forma escorrega para os lados, por gravidade. Quando a espessura da película atinge o valor crítico de um 1/10000 milímetros, a bolha rebenta.
Filmando bolhas a rebentar com processos de filmagem muito rápidos, os físicos repararam que o processo é complexo. Primeiramente, a película superficial parte-se e o líquido que a constitui concentra-se nos lados. Nessa altura o gás fica em contacto com o ar e a superfície do líquido ganha uma pequena concavidade no espaço deixado pela bolha. O líquido das paredes dessa minúscula concavidade desliza para a parte mais profunda. No fundo, o líquido que baixa dos lados colide. A colisão expele na vertical um jacto de líquido muito estreito que rapidamente se parte em gotículas minúsculas que sobem e podem atingir alguns centímetros de altura.
Como há milhares de bolhas em cada taça de champanhe e centenas delas a explodirem à superfície, as minúsculas gotículas ejectadas atingem quem esteja a beber. Chegam às extremidades de nervos que se encontram no nariz e que funcionam como receptores de estímulos dolorosos (nociceptores).
Ao beber champanhe, não são só as nossas papilas gustativas que são estimuladas. A pequena neblina que emerge da taça atinge-nos também pelo olfacto e pelo ruído. O champanhe é uma bebida fabulosa.
À vista desarmada não é possível observar o processo de explosão de bolhas nem a neblina de gotículas ejectadas para o ar. Mas é possível sentir as gotinhas. Se insistirmos e bebermos várias taças, contudo, podemos ver a neblina.
Não a do champanhe, mas outra.
(*) Texto de N. Crato, adapt. «Expresso»
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