23.3.06

O ‘CENTRÃO’

Crónica de Alfredo Barroso (*)
NO FUTEBOL, tal como na política, o ‘centrão’ é rei. A expressão foi utilizada com frequência, na última página do DN, pelo Vítor Cunha Rego, um dos melhores cronistas políticos portugueses, que, infelizmente, já não é deste mundo. Significa que os partidos que se sucedem alternadamente no poder revelam uma tendência irreprimível para agir rigorosamente ao centro, bem longe das referências políticas ou balizas ideológicas que supostamente os caracterizam. Foi isso que fez a infelicidade do PS na oposição durante o ‘cavaquismo’. É isso que agora faz a infelicidade do PSD face à possibilidade de estar afastado do Governo durante mais de três anos. A justificação do ‘centrão’ é a ‘eficácia’ e o ‘realismo’, tanto do ponto de vista da conquista de votos (pontos), como do ponto de vista dos resultados da economia (lucros), que ‘tem de prevalecer’ sobre a política.
No futebol profissional de alta competição a coisa é muito parecida. É disputado, quase todo o tempo, no centro do terreno, bem longe das balizas, em persistentes acções de contenção defensiva e sucessivas ‘batalhas’ no meio campo. O objectivo das equipas é, salvo raras excepções, não perder o jogo, ou ganhá-lo correndo um mínimo de riscos, ou seja, com a máxima economia possível de ataques eficazes, para não desguarnecer as balizas. Por isso, cada vez abundam mais, no futebol moderno, como escreveu Eduardo Galeano, as equipas integradas por funcionários especializados em evitar a derrota e não por futebolistas que corram o risco de jogar com inspiração, apostando na improvisação. Como diz Virgílio, na Eneida, ‘apparent rari nantes in gurgite vasto’, ou seja, é cada vez mais escassa a possibilidade de vermos surgir novos Maradonas, Pelés ou Eusébios. Daí as críticas a Nani, Quaresma ou Cristiano Ronaldo, quando ‘abusam’ das fintas. Embora sejam muito apreciadas quando produzem resultados, isto é, golos, pontos e lucros.
Na política, o ‘centrão’ mata o debate de ideias. No futebol, mata o espectáculo. Mas os militantes ficam muito satisfeitos quando o seu partido conquista o poder. E os adeptos do pontapé na bola ficam radiantes quando o seu clube conquista um título. Não se anda nisto para defender ideias ou para apreciar o espectáculo, mas para conquistar o poder ou para ser campeão. Será, então, que fujo à regra? Não, não fujo completamente! Também quero que o meu partido (o PS) ganhe eleições e que o meu clube (o Sporting) seja campeão. Mas desilude-me o pragmatismo sem princípios (é a vida?) e desagrada-me assistir a jogos aborrecidos (é o futebol?). Chamem-me ‘esquerdista’ ou ‘arcaico’, se quiserem. Mas acho, como Galeano, que a ‘controlada eficácia das repetições mecânicas é inimiga da saúde’. O ‘centrão’, enquanto ‘realismo’, é a ‘loucura da normalidade’.
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(*) Publicada no «DN» de ontem (não está online) e oferecida pelo autor.

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