7.4.06

Um texto interessante

UM INTERESSANTE artigo de Paulo Querido sobre a "pirataria":

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Que merece a avestruz? Piedade.


Pelo menos desde o início da década de 90 do século passado -- ou seja, há mais de 15 anos -- que os profetas da revolução digital vinham alertando para as consequências da mudança tecnológica que então se iniciava.

Primeiro em círculos um tanto restritos: publicações de vanguarda cultural e jornais de informática, o que sempre serve de desculpa. Mas depressa todos os grandes meios de comunicação -- que só mesmo um analfabeto pode legitimamente dizer que não leu -- fizeram repetido alarde das preocupações com os conteúdos digitais e a gigantesca máquina de copiar que a Internet representava. Nos piores cenários falava-se da quebra do controlo sobre os direitos autorais e na possibilidade de todos partilharmos com todos as nossas músicas (para o pior ou para o melhor segundo a perspectiva, o cenário dos catastrofistas dos anos 90 confirmou-se).

Os avisos tinham destinatários certos: os músicos à cabeça de uma lista que incluía, entre outros, escritores e produtores de filmes. Uns ouviram, outros fingiram que não.

Todos, excepto a indústria fonográfica. Que se manteve cega e surda. Mas não muda: os seus porta-vozes minimizavam o impacto de um futuro anunciado e largamente exagerado, diziam. A verdade é esta: ao longo destes 15 anos a indústria fonográfica mundial, no todo (a RIAA, associação americana que agregava as sete "majors") ou nas suas partes (as empresas produtoras de qualquer dimensão), teve em relação ao assunto a perspicácia da avestruz perante o perigo. Enfiou a cabeça na areia (movediça...) dos direitos legais e não mexeu um dedo para perceber as mudanças em curso nos hábitos e comportamentos dos seus clientes e agir em conformidade. Como é seu timbre desde os tempos do rolo de cera e do vinil, como já fizera aquando da revolução da cassete, não soube ou não quis interpretar os sinais que apontavam o futuro que vivemos hoje: uma esfera multimedia onde tudo está à distância de um clique, qualquer clique, indistintamente legal ou ilegal.

Uma indústria que não respeita os clientes acaba por lhes perder o rasto. Estes divorciam-se, viram-lhe as costas. Abandonam-na. Partem para outra.

A forma como o que resta da outrora pujante e una indústria musical (hoje um punhado de associativistas inconsequentes) tenta tapar o sol com uma peneira é patética. Declarar que a pirataria «é responsável em 80 por cento da queda das vendas do mercado», como fez Pedro Osório, da SPA, é dar provas de anacronismo social. Tenhamos piedade de quem acredita que os 20 por cento que restam engolem

a) a concorrência de outras formas de entretenimento, dos jogos à Internet social, da televisão aos centros comerciais;

b) a migração de formato, do CD para o computador, a Internet, o webradio;

c) a proliferação dos leitores portáteis de mp3 e formatos audio emergentes (as vantagens do mp3 sobre o CD ao nível da informação prestada sobre a música só por si justificariam a troca dos formatos);

d) o surto de criatividade "alternativa", que começa já a ter sustento comercial com as netlabels, originando uma nova geração de músicos que cresce (e ganha dinheiro) fora do "sistema";

e) uma nova cultura de partilha onde a juventude se mostra mais interessada em dar do que simplesmente receber, sendo simultaneamente produ-consumidor, emitindo os seus "samples" e ouvindo os dos amigos, usando a tecnologia de gravação, reprodução e distribuição que deixaram de ser monopólio dessa indústria.

Na mesma semana em que, por cá, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) dava início à sua diatribe contra a rede, esta levou ao "top" britânico uma música que só existia em formato digital, tendo vendido 30.000 "downloads" ANTES de alguém se interessar por colocar a banda em CD. "Rings a bell", caro John Kennedy (presidente da IFPI)?

Não. Kennedy está ainda numa de experimentar colocar um polícia à porta da Internet, esperando que o efeito dissuasor da farda chegue para impedir o que classifica de crime (palavra em tempos adequada, hoje injusta e recusada). Digamos que é um pouco tarde para tácticas preventivas.

A nossa SPA avisa-nos, do alto da sua superioridade intelectual, que «a actual estrutura cultural pode ruir». Entreolhamo-nos e sorrimos, condescendentes com o tio da província que veio à metrópole. A estrutura cultural de que falam é actualmente, na realidade, uma entrada de enciclopédia. Da Wikipedia. Com um "hiperlink" para a entrada, não menos histórica, sobre a complexa estrutura legislativa que ao longo do século passado lhe deu suporte judicial, hoje uma impossibilidade até para os investigadores policiais.


Associação de defesa (?) dos infonautas


Entusiasmados com a "perseguição" policial e as putativas invasões da privacidade advindas da missão que a Polícia Judiciária, com nobre sentido de dever, encetou para fazer o frete às IFPI e SPA, alguns carolas da rede apressaram-se a desencantar que devíamos ter uma congénere da Eletronic Frontier Foudation. Para nos "defender" das ameaças.

Esquecem estes desmiolados que tão imprescindível associação já existiu. Eu sei porque fiz parte dela. Como membro da Comissão Instaladora até fui à televisão defender o Terràvista. Cobrimo-nos de glória, efectivamente muito transitória: em vez de fechar o "antro de pornografia" (Tal & Qual dixit) que o seu Ministério da Cultura "subsidiava", Manuel Maria Carrilho aceitou apenas desfazer-se do incómodo das 30.000 páginas de lusofonia (a blogosfera da época). Ele safou-se, o Terràvista não. Mas é a vida e o tema aqui é outro: a Associação Fronteira Electrónica.

Quando a Comissão Instaladora conseguiu finalmente reunir uma assembleia, compareceram 18 pessoas para votar a primeira lista, arranjada à pressa (fui arregimentado para vice-presidente da Assembleia Geral).

18 gatos pingados numa sala de hotel, depois de toda a publicidade feita à Fronteira Electrónica, de tanta tinta, de tanto "post", de tanto reconhecimento da necessidade de "nos" defendermos. Eu devia ter aprendido. Mas não. Como sou reicidente na patologia das boas intenções, voltei a dar para o peditório de uma causa a propósito da blogoesfera e da eventualidade de existir um provedor que servisse de fio de prumo e primeiro descascador de casos. Chamaram-me de tudo, mas ele há males que vêm por bem: curei-me.

Portanto, agora sorrio como um ex-fumador. E do alto da minha cátedra aviso os candidatos a beneméritos dos infonautas: dediquem o vosso tempo a actividades compensadoras.

Paulo Querido

7 de abril de 2006 às 22:50  

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