17.5.06

Não há bola sem senão

UMA COISA é certa: "Quem está, está. Quem não está, não está"! Melhor do que o doutor Gilberto Madaíl, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, não o diria Lili Caneças, "heroína" da nossa Imprensa cor-de-rosa e proteiforme obra plástica, a quem a pátria deve um dos mais perspicazes conceitos da filosofia pós-moderna: "Estar vivo é o contrário de estar morto." Bem-haja, Lili Caneças! Bem-haja, doutor Madaíl!

Mais: se alguma dúvida ainda houvesse, também ficou claro que o seleccionador nacional de futebol, Luiz Felipe Scolari, não possui o dom da ubiquidade. Ele próprio o disse: "Não posso estar presente em dois locais ao mesmo tempo". Nem por isso a sua omnipresença é afectada, porque, onde não está ele, está sempre um dos seus adjuntos a encarná-lo. Para já nem falar da imaterial presença de Nossa Senhora de Caravaggio, da qual Luiz Felipe Scolari é devoto, em razão da sua óbvia ascendência italiana.
Não vai nisto qualquer ironia. Por acaso, nasci em Roma, a minha mãe é italiana e sou devoto de Caravaggio. Não da aldeia perto de Bérgamo, nem da respectiva Nossa Senhora, mas do pintor Michelangelo Merisi, que lá nasceu. A sua pintura foi, aliás, tão escandalosa como a sua vida e, até por isso, não me ficaria bem admirar os seus quadros e ser devoto de Nossa Senhora, fosse a de Caravaggio, a de Fátima ou a de outra aldeia, vila ou cidade qualquer. Pior ainda: há os auto-retratos do pintor, como o Pequeno Baco doente ou o Rapaz mordido por um lagarto, que me fazem lembrar Maradona. Tanto na fisionomia como no génio (revolucionário), as semelhanças são impressionantes.
Fé e artes plásticas (não confundir com operações plásticas) têm muito a ver com o futebol e os seus artistas. Lê--se no Expresso de sábado passado, num artigo dedicado a Fátima: "Muitos são os negócios à volta da fé e do santuário. Do imobiliário à venda de rosários, Fátima é o centro de atracção de muitos euros". Bem parecido com aquilo que se passa à volta dos clubes de futebol, da sua iconografia "religiosa" (camisolas, bolas e bugigangas de todo o tipo), dos seus "peregrinos" (os adeptos) ou dos estádios do Euro-2004, quase sempre "às moscas", enquanto Fátima acolhe quatro milhões por ano.
É verdade que, no domingo passado, a "peregrinação" à cova do Jamor, para ver o FCP arrebatar a Taça de Portugal ao Vitória de Setúbal (1-0), não foi além dos 35 mil adeptos, ao passo que a peregrinação à Cova da Iria, no sábado passado, reuniu 400 mil devotos. São "galinhas dos ovos de ouro" em busca da sobrevivência. Só que a fé move montanhas e, agora, é preciso crer nos "pés da Pátria" que vão ao Mundial. "Quem está, está. Quem não está, não está"! Mas, esteja lá quem estiver, certo é que estarão de volta as bandeirinhas do professor Marcelo, a retórica nacionalista, a exaltação mitómana e a cretinização populista do futebol. Adaptando o provérbio: "Não há bola sem senão"!
Crónica de Alfredo Barroso, no «DN», aqui publicada com sua autorização

Etiquetas: