29.7.06

A altura do rei (*)

A FRUSTRADA tentativa de analisar o túmulo de D. Afonso Henriques (c. 1109–1185) continua a causar celeuma. Entre outras coisas, a antropóloga Eugénia Cunha e os seus colegas pretendiam medir a altura do fundador da nacionalidade. Um simples número não será decisivo para rescrever a história, mas é um dado em falta que pode esclarecer outros e levantar novas interrogações. Está-se a falar das ossadas de um rei que nasceu há quase nove séculos e cujos restos mortais tudo leva a crer estarem perfeitamente localizados.
Mais surpreendente, porém, será conseguir medir a altura de um outro homem, que nasceu 18 séculos antes do nosso rei e cuja sepultura se desconhece. Mas isso é possível, pois esse homem era um geómetra. É considerado o fundador da filosofia e da ciência. Falamos de Tales de Mileto (624–547 a.C.), é claro. Quem mais poderia ser? Pois esse homem, um dia, em viagem pelo Egipto, surpreendeu-se com a altura da Grande Pirâmide de Queóps. Pensou numa maneira de a medir sem sair do chão. Aplicando um teorema que depois levou o seu nome, notou que a razão entre a altura da pirâmide e a sua sombra era a mesma que a razão entre a sua própria altura e a da sua sombra. Mediu as sombras. Fez as contas e chegou à conclusão que a pirâmide media 85 vezes a sua altura.
Foi um feito que surpreendeu os seus contemporâneos e que ainda hoje é recordado. Para o que nos interessa, contudo, é preciso caminhar em sentido contrário. Sabemos hoje que a pirâmide de Queóps mede 147 metros. De onde concluímos que Tales media 1,73 metros. Nada mais simples!
Fosse D. Afonso Henriques um geómetra e talvez pudéssemos conhecer a sua altura sem lhe abrir o túmulo.
(*) Adaptado do EXPRESSO