A MORTE QUE ESPERE!
INCITADOS pelas «conversas à lareira» de um caudilho agitador e charlatão, Arturo Farrell, que a opinião pública considera ser o «chefe secreto dos Jovens Turcos», cáfilas de jovens fanáticos e atléticos percorrem as ruas de Buenos Aires pela calada da noite, à caça de velhos, para os insultar, brutalizar ou matar à pancada. Arturo Farrell não hesita em recorrer à calúnia e ao embuste para alimentar os seus argumentos «mais inflamados do que razoáveis». Utiliza os seus «dotes de orador» e a «cálida tonalidade» da sua voz para fascinar «milhões de párias», convencidos pelas charlas demagógicas e populistas de que Farrell lhes está a «conferir consciência da sua própria dignidade».
O Diário da Guerra aos Porcos, título da extraordinária novela que Adolfo Bioy Casares publicou em 1969, agora editada em português pela Cavalo de Ferro, é o relato de uma guerra invisível, tão real como simbólica; de uma luta implacável entre jovens e velhos; de uma querela entre antigos e modernos dirimida na rua, ao pontapé e à bomba. Há quem veja em Farrell e nos «Jovens Turcos» uma clara alusão à subida ao poder do coronel Perón. O autor do diário refere-se, logo na primeira página, a um «movimento que brilhou como uma estrela fugaz na nossa longa noite política». E também há quem considere esta novela um «prenúncio das revoltas estudantis, da guerrilha urbana e, até, do movimento punk». A sua leitura consente estas múltiplas interpretações.
Todavia, como o próprio Bioy Casares salientou, o Diário da Guerra aos Porcos é, acima de tudo, uma «reflexão sobre a vida». Simultaneamente cruel, irónica e poética. É que os grupos rivais, os jovens e os velhos, também enfrentam um inimigo comum: a inexorável passagem do tempo e o envelhecimento do corpo, cárcere do espírito. Quase no fim, há uma cena hilariante, quando Isidoro Vidal vai visitar o seu amigo Arévalo ao hospital. O patético doutor Cadelago, tentando justificar «a identificação dos novos com os velhos», diz a Vidal: «Através desta guerra, eles entenderam de uma maneira íntima, dolorosa, que todos os velhos são o futuro de um jovem». Pior ainda: «Invariavelmente, o jovem elabora a seguinte fantasia: matar um velho equivale a suicidar-se». E daí que o serviço de psiquiatria não consiga atender todos os jovens que a ele acorrem.
O grupo de velhos amigos que se tratam por rapazes, pela simples razão de já o terem sido uma vez na vida, é inolvidável. Tal como a cena em que uma jovem vizinha, Nélida, seduz o velho Isidoro Vidal e o convence a ir viver com ela. A escrita de Bioy é clara, concisa, inventiva, poética. Já acabada a guerra idiota, uns miúdos a saltar ao pé-coxinho, frente à casa de Nélida, assediam Vidal quando ele chega: «Estamos a brincar aos correspondentes de guerra. Pedimos-lhe as suas impressões sobre esta paz». Ele diz-lhes: «Esperem por mim». Primeiro, quer subir e abraçar Nélida. «A porta está aberta» - murmura ela. «Fechamo-la depois» - responde-lhe Vidal. A morte que espere!
O Diário da Guerra aos Porcos, título da extraordinária novela que Adolfo Bioy Casares publicou em 1969, agora editada em português pela Cavalo de Ferro, é o relato de uma guerra invisível, tão real como simbólica; de uma luta implacável entre jovens e velhos; de uma querela entre antigos e modernos dirimida na rua, ao pontapé e à bomba. Há quem veja em Farrell e nos «Jovens Turcos» uma clara alusão à subida ao poder do coronel Perón. O autor do diário refere-se, logo na primeira página, a um «movimento que brilhou como uma estrela fugaz na nossa longa noite política». E também há quem considere esta novela um «prenúncio das revoltas estudantis, da guerrilha urbana e, até, do movimento punk». A sua leitura consente estas múltiplas interpretações.
Todavia, como o próprio Bioy Casares salientou, o Diário da Guerra aos Porcos é, acima de tudo, uma «reflexão sobre a vida». Simultaneamente cruel, irónica e poética. É que os grupos rivais, os jovens e os velhos, também enfrentam um inimigo comum: a inexorável passagem do tempo e o envelhecimento do corpo, cárcere do espírito. Quase no fim, há uma cena hilariante, quando Isidoro Vidal vai visitar o seu amigo Arévalo ao hospital. O patético doutor Cadelago, tentando justificar «a identificação dos novos com os velhos», diz a Vidal: «Através desta guerra, eles entenderam de uma maneira íntima, dolorosa, que todos os velhos são o futuro de um jovem». Pior ainda: «Invariavelmente, o jovem elabora a seguinte fantasia: matar um velho equivale a suicidar-se». E daí que o serviço de psiquiatria não consiga atender todos os jovens que a ele acorrem.
O grupo de velhos amigos que se tratam por rapazes, pela simples razão de já o terem sido uma vez na vida, é inolvidável. Tal como a cena em que uma jovem vizinha, Nélida, seduz o velho Isidoro Vidal e o convence a ir viver com ela. A escrita de Bioy é clara, concisa, inventiva, poética. Já acabada a guerra idiota, uns miúdos a saltar ao pé-coxinho, frente à casa de Nélida, assediam Vidal quando ele chega: «Estamos a brincar aos correspondentes de guerra. Pedimos-lhe as suas impressões sobre esta paz». Ele diz-lhes: «Esperem por mim». Primeiro, quer subir e abraçar Nélida. «A porta está aberta» - murmura ela. «Fechamo-la depois» - responde-lhe Vidal. A morte que espere!
Adaptado do «DN» de 3 Nov 06
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