16.12.06

As Mutações da Máfia Mansa

O CRIME SÉRIO em Portugal – não estamos a falar de roubos de multibanco com uma retroescavadora - não tem sido, até agora, acompanhado de actos de violência e intimidação.

O saque sistemático de fundos públicos com base nos eixos obras públicas e respectivas derrapagens, empresas públicas e comissões em contratos, municípios, empresas municipais e clubes de futebol tem sido feito de forma assinalavelmente pacífica, sem homicídios nem ajustes de contas.

Excepto, ao que se saiba, em dois casos.

O primeiro foi o estranho acidente de viação de um ex-autarca da Câmara de Almodôvar que se tinha incompatibilizado com António Saleiro, ex-presidente da Câmara de Almodôvar, ex-condutor de ambulâncias e actual presidente da Associação Nacional dos Revendedores de Combustíveis. Afinal, exame pericial dixit, não era acidente. E também a agressão a Ricardo Bexiga.

O acidente de Ourique – um caso estranho de um cadáver encontrado dentro de um carro a arder com as janelas todas fechadas, no verão, as portas trancadas por fora – foi em 1997.

O cadáver foi para o Instituto de Medicina Legal. Em 2006, depois de voltas e reviravoltas, o relatório de dois médicos é peremptório: uma pancada na cabeça que não pode resultar de acidente. Da reacção do Ministério Público, que já arquivou por duas vezes o processo de António Saleiro, nada sabemos.

Depois, o caso Ricardo Bexiga: era difícil dizer que este tinha dado umas marteladas a si próprio e por isso, certamente, a agressão que sofreu quando entrava para o seu automóvel foi investigada.

Contudo, como o Ministério Público do Porto respeita estritamente o princípio da legalidade, a agressão a Ricardo Bexiga foi um dos muitos delitos comunicados ao Ministério Público.

Por isso, foi decerto investigado com a mesma intensidade que foi dedicada aos três assaltos verificados nesse mesmo dia no Bairro da Lagarteira e à cena de facadas perto da Sé. Mais uma ocorrência sem significado especial e que por isso não exigia nenhum esforço especial de investigação, nem nenhum esclarecimento público sobre os resultados obtidos.

Além disso, como nos dias seguintes houve mais crimes, é provável que a falta de meios tenha prejudicado o êxito da investigação.

Talvez, agora, as revelações de uma arrependida possam fornecer mais indícios e a já tradicional falta de meios não seja a desculpa do costume.

O que sabemos é que quando a máfia mansa, que costumava dominar o crime económico em Portugal, começa a recorrer à violência, o desafio que lança ao Estado sobe de grau.

Por isso há duas possibilidades: ou este se decompõe de vez – o estado actual da justiça é um processo de transformação de um Estado de Direito num estado falhado – ou consegue reagir.

Ambas as hipóteses são possíveis. Não sabemos é qual é a mais provável.

Adenda: As graças alvares do blogue que funciona como boletim oficioso do Ministério da Justiça sobre as denúncias recentes no caso Ricardo Bexiga são muito reveladoras.

A mensagem é esta: será que algum inconsciente quer criar uma guerra entre o Estado Português e o Sr. Pinto da Costa desrespeitando grosseiramente as suas imunidades futebolísticas?

«Expresso» - 16 Dez 06

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4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

«...blogue que funciona como boletim oficioso do Ministério da Justiça»

Que blogue é esse que S. Sanches refere em Adenda?

Se é inspirado pelo genial Alberto Costa não há-de ser grande coisa...

16 de dezembro de 2006 às 21:04  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Face às denúncias de Carolina Salgado, algumas pessoas conhecidas têm comentado "a forma" e não o conteúdo ("literatura de cordel", "lixo editorial", "ajuste de contas amoroso", etc).

Trata-se, evidentemente, de uma argumentação que nada tem de ingénua e que, no limite, faria com que uma denúncia de homicídio não fosse tida em conta por essas pessoas se, porventura, contivesse erros de ortografia...

16 de dezembro de 2006 às 21:53  
Anonymous Anónimo said...

Ora aqui está uma crónica "5 estrelas".
Corajosa, lúcida e certeira.
Venham mais como estas, que bem precisados delas estamos!

17 de dezembro de 2006 às 10:52  
Anonymous Anónimo said...

O blog referido só pode ser a Grande Loja do Queijo Limiano, cujos animadores, pela prosa, devem ser magistrados.

Há dias puseram nesse blog a cópia de um recorte de jornal, já amarelecido pelo tempo, com uma foto do Saldanha Sanches quando era novo, recordando as actividades revolucionários do mesmo, quando era activista do MRPP.

Não se faz. Ninguém gosta que lhe recordem o passado, sobretudo quando a pessoa deixou de ser pateta, evoluiu e se tornou um cidadão respeitador da sociedade em que vive.

Jorge Oliveira

17 de dezembro de 2006 às 12:01  

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