COM VISTA AO NATAL

No Natal de Miguel Torga, avulta «um pobre já acostumado a quantas tropelias a sorte quer»: o velho Garrinchas, que quer ir «consoar à manjedoira nativa». Mas já lhe pesam os 75 anos e de nada lhe vale atravessar a serra «a mata-cavalos, a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar». Por isso fica-se pelo adro da ermida da Senhora dos Prazeres. Como precisa de fogueira, vai roubar papel à sacristia e escavaca «o andor da procissão arrumado a um canto», para fazer lenha. Quando «a madeira seca do palanquim ardia que regalava» e ele se aprestava a cear um bom naco de presunto, «a alma deu-lhe um rebate». Foi perguntar à Santa se era servida, esta «pareceu sorrir-lhe», ele tirou a imagem do altar e trouxe-a para junto da fogueira. E assim consoaram os três: a Senhora dos Prazeres a fazer de quem era; o pequeno ao colo dela, «a mesma coisa»; e «o velho Garrinchas», reconhecendo-se «embora indigno», a fazer de São José.
Mais insólito é o conto de Alexandre O’Neill «com vista ao próximo Natal». São Exercícios de Auto-Apoucamento praticados por Valério, o Lèrinho da sua Quinhas, que até se enfia por «uma perna de calça sustentando-se em pé, sem, aparentemente, homem lá dentro». Lèrinho prepara assim uma surpresa ao filho, o Necas, auto-apoucando-se na «amurada do sapato» de Natal. Mas dá para o torto. Com um «órfão vivo» horrorizado a soluçar no regaço da mãe: «Sa… Sa… Saiu-me o… o… o pai no sa… sa… sapato!». E a Quinhas a prometer-lhe que «o pai voltaria a crescer, a crescer»… Bom Natal!
Adapt. «DN» - 22.Dezembro.2006
Etiquetas: AB
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home