26.3.07

Eça e Bento XVI - I

Muito se tem falado, ultimamente, das directivas dadas, por Bento XVI, no sentido de restabelecer algumas práticas que já andavam esquecidas - como o uso do latim, dos cantos gregorianos, etc.
Até que ponto é que os rituais são importantes em religião? Ou melhor: até que ponto é que, em certas religiões, o ritual é, precisamente, o mais importante?
Vejamos o que, acerca desse assunto, dizia Eça de Queiroz, pela boca de Fradique Mendes (numa "carta" a Guerra Junqueiro):
-oOo-
(...) Meu Caro Amigo.
A sua carta transborda de ilusão poética. Supor, como V. candidamente supõe, que traspassando com versos (ainda mesmo seus, e mais rutilantes que as flechas de Apolo) a Igreja, o Padre, a Liturgia, as Sacristias, o jejum da sexta-feira e os ossos dos Mártires, se pode «desentulhar Deus da aluvião sacerdotal», e elevar o Povo (no Povo V. decerto inclui os conselheiros de Estado) a uma compreensão toda pura e abstracta da Religião - a uma religião que consista apenas numa Moral apoiada numa Fé - é ter da Religião, da sua essência e do seu objecto, uma sonhadora ideia de sonhador teimoso em sonhos!
Meu bom amigo, uma Religião a que se elimine o Ritual desaparece - porque as Religiões para os homens (com excepção dos raros Metafísicos, Moralistas e Místicos) não passa dum conjunto de Ritos, através dos quais cada povo procura estabelecer uma comunicação íntima com o seu Deus e obter dele favores. Este, só este, tem sido o fim de todos os cultos, desde o mais primitivo, do culto de Indra, até ao culto recente do coração de Maria, que tanto o escandaliza na sua paróquia - oh incorrigível beato do idealismo!
Se V. o quer verificar historicamente, deixe Viana do Castelo, tome um bordão, e suba comigo por essa antiguidade fora até um sítio bem cultivado e bem regado que fica entre o rio Indo, as escarpas do Himalaia, e as areias dum grande deserto. Estamos aqui em Septa-Sindhou, no país das Sete Águas, no Vale Feliz, na terra dos Árias.
(Continua)

1 Comments:

Blogger Manolo Heredia said...

Para mim o Papa tem toda a razão; sem mitos, sem rituais, sem paramentos, não é possível agregar à volda de um ideal religioso grandes camadas de Criaturas de Deus, com níveis de conhecimentos tão diferentes e níveis culturais tão diversos como aqueles que encontramos hoje à superfície do Planeta Terra (a religião católica está dessiminada por todo o mundo).
Porque, para assimilar uma moral, qualquer que ela seja, é muito mais fácil fazê-lo atravez da crensa que atravez da compreensão (da razão).

26 de março de 2007 às 17:20  

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