NA CÂMARA ESCURA
Por Nuno Brederode Santos
A CÂMARA DE LISBOA entrou finalmente em queda livre. Poderá sobrevir a complicação de uma habilidade pequenina ou de uma filigrana processual, mas já nada poderá adiar duradouramente esse destino, imposto pelas evidências políticas. Mesmo que os factos, após quinta-feira, se hajam sucedido, contraditória e vertiginosamente, ao ritmo de um jogo de pingue-pongue entre chineses.
Marques Mendes e Carmona Rodrigues saem mal desta soturna história.
Sai mal este, o tecnocrata que se diz não político, porque afinal não tecna nem crata e ainda foi buscar ao PSD o pior daquele nacional-trapalhismo que Santana Lopes quis instituir na República. Diz-se, aliás, que terão passado de amigos a adversários. Talvez. E então melhor provam assim que dois adversários errados apenas no erro convergem. Agora, ao sair de cena, Carmona ergue-se do caos e dos escombros, clamando por serenidade e delongas e afirmando-se "o garante da estabilidade". Por mais funcionários que convoquem para tão espontaneamente o apoiarem, a cidade já lhe gravou a lápide: R.I.P.
Sai mal Marques Mendes. Porque, no legítimo propósito de impedir candidaturas autárquicas que não mereciam a sua confiança, não quis assumir o ónus pessoal e político dessa recusa e a suspeição de arbitrariedade que lhe pudesse estar associada. E, para fugir a tal responsabilidade, preferiu fazer doutrina e enunciar critérios "objectivos". Nasceu assim, torta do parto, a teoria da incompatibilidade dos arguidos (ainda que logo relativizada pela candidatura de uma autarca de Leiria) com a gestão autárquica. Após as eleições, porém, foi sendo sucessivamente obrigado a desmentir o carácter jurídico de tal critério e tentou impor a ideia de que ele seria político. Mas, sem culpa ou má vontade de ninguém, nunca isso foi entendido e ele deixou-se pregar à cruz do critério "objectivo". Um critério, de resto, contestável, a vários títulos: por não atender às razões e natureza da constituição de alguém como arguido; por não especificar se os crimes correspondentes teriam ou não sido cometidos no exercício de funções; por conceder efeitos políticos aos juízos circunstanciais das autoridades judiciárias; e pelo facto de a sua formulação geral e abstracta (e não política e concreta) desafiar frontalmente a garantia constitucional da presunção de inocência.
Depois, Marques Mendes entrou num longo ciclo de fraquezas acumuladas. Os tratos de polé a que Jardim o sujeitou e os embaraços que alguns dos seus oponentes no PSD lhe foram criando são apenas as ilustrações mais visíveis do facto. A ingovernabilidade da câmara e a crescente orfandade dos lisboetas pareciam poder proporcionar-lhe o brilharete de uma intervenção discreta e firme. Mas o medo de perder a câmara e a tentação de exibir uma autoridade que não tinha levaram-no à pior escolha: não só desmentiu sempre a crise que pelo menos agravou (e a que na quinta-feira já chamou "evidência"), causando ou pactuando com a ruptura do PSD com o CDS, como fez alarde de sujeitar o autarca eleito a humilhantes romagens de "respeito" pela "família" na sede da Rua de S. Caetano.
Agora, mesmo no desaguar da crise, tenta ainda, com cínico desespero, um gesto de "depois de mim, o dilúvio": quer a equipa camarária que sair de uma nova vontade do eleitorado sujeita ao espartilho da assembleia feita pela vontade velha, mesmo que esta esteja já desmentida nas urnas. Se tiver de perder agora, então há que ganhar daqui a dois anos. Lisboa que se aguente e pague a crise. Mas o risco é bem maior do que ele o pensa. Porque o eleitorado tem melhor senso político do que muitos daqueles que o representam. Uma nova equipa camarária, bem entrosada com a cidade e que, desde a campanha eleitoral, permanentemente denuncie a urdidura e não hesite em ir mostrando à luz do dia o bloqueamento que lhe faz uma assembleia que já nada representa, pode custar ao PSD muitos votos, muitas vénias, muitos anos. Porque, por mais que se cultive o esquecimento, não raro é a memória que ganha - e não perdoa.
«DN» de 6 de Maio de 2007
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2 Comments:
LISBOA
(Pedro Curvelo - «Diário Digital»)
A novela em torno da Câmara Municipal de Lisboa continua a arrastar-se, agora num braço-de-ferro entre Carmona Rodrigues e o PSD. O prejuízo para os lisboetas é o efeito mais evidente desta situação que há muito devia ter sido resolvida.
A Marques Mendes deve louvar-se a coerência de exigir eleições intercalares após o autarca independente, mas eleito pelas listas sociais-democratas, ter sido constituído arguido. Já mais discutível é a leitura de que as eleições devem ser apenas para o executivo camarário, deixando de fora a Aseembleia Municipal, onde existe uma maioria laranja.
A posição de Carmona Rodrigues é, de todo, incompreensível. Se é verdade que ser constituído arguido não significa que se tenha cometido qualquer crime, também não se pode fingir que a condição de arguido numa figura pública, em casos directamente relacionados com o exercício das suas funções, não enfraquece o seu desempenho.
A oposição alfacinha tem se comportado, com excepção de José Sá Fernandes – independente eleito pelo Bloco de Esquerda -, de uma forma hipócrita e calculista. Dizer-se que a resolução da crise que se vive há largo tempo na capital só pode ser resolvida pelo PSD é um estratagema que visa apenas não ficar com o ónus de ter sido responsável pelas eleições intercalares.
A outro nível, o PSD tem alguma razão quando fala nos «dois pesos e duas medidas» dos restantes partidos, lembrando o PCP em Setúbal, o Bloco de Esquerda em Salvaterra de Magos e a estranha aliança do PS com Isaltino Morais em Oeiras.
Todo este episódio serve também para nos fazer reflectir na forma como está organizado o poder local. Quanto a mim, não faz nenhum sentido ter um órgão executivo – a Câmara – com a presença proporcional das diversas forças partidárias. Na prática, salvo algumas excepções, todos os vereadores da oposição acabam por não ter pelouro e os da lista mais votada têm de acumular pastas.
A solução teria de passar por um reforço efectivo dos poderes fiscalizadores da Assembleia Municipal, que teria de funcionar como um Parlamento local. A ninguém passaria pela cabeça que numas eleições legislativas, por exemplo ganhas pelo PS, existissem ministros do PSD, CDS, PCP, BE ou «Os Verdes» em função dos votos obtidos. É incompreensível que um ministro integre um Governo com um programa com o qual discorda e seria, no mínimo, bizarro ter ministros sem pasta. Com os vereadores passa-se exactamente a mesma coisa.
Nos tempos em que João Amaral, do PCP, era presidente da Assembleia Municipal, a cor política desta não era a mesma da da Câmara, e não me recordo que isso criasse grandes problemas.
Por isso, e se, ao contrário da CML, a actual A.M. funciona, não seria conveniente deixá-la de fora da bagunça em curso?
Não estará - agora! - a Oposição a querer cavalgar, oportunisticamente, essa outra onda (ganhar também a A.M.) quando se portou de forma muito triste ao "aguentar", para todos os efeitos, Carmona Rodrigues?
Ed
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