QUE IMPORTA EM QUEM VOTA O HOMEM QUE MORDE O CÃO?
Por João Miguel Tavares
PEÇO ANTECIPADAMENTE DESCULPA pela falta de originalidade da frase que se segue. Notícia não é o cão que morde o homem, mas o homem que morde o cão. Esta regra básica do jornalismo já foi tantas vezes dita e redita que convém evitá-la na abertura de um artigo de opinião. Lamento muito. Infelizmente, de vez em quando torna-se imprescindível sublinhar que o branco é branco e o preto, preto. Por isso aqui estou eu a recordar o óbvio: se um homem trincar um cão, isso é notícia. Se o homem que trinca o cão for do PS, isso é notícia. Se o homem que trinca o cão for do PSD, isso também é notícia. Na verdade - surpresa! -, não interessa para nada saber em quem vota o homem que morde o cão. Tristemente, há muito boa gente que acha que sim. Há quem esteja interessado em transformar a dentada em ideologia.
Uma das mais tristes consequências da tristíssima escolha de Pina Moura para presidente da TVI foi essa - o regresso da velha conversa sobre a "orientação ideológica" dos meios de comunicação social, e de como tudo seria mais cristalino se cada jornal, cada rádio e cada televisão em Portugal assumisse de uma vez qual a área política da sua devoção. Estas luminárias apontam o dedinho ao que se passa além-fronteiras e dizem: vejam como nos países civilizados os jornais assumem claramente os seus amores políticos, a bem da transparência. Fico comovido com tão boas intenções. Em entrevista à RTP, o inefável Pina Moura disse mesmo que a "definição de uma orientação editorial" é "uma boa política que devia ser seguida em Portugal". Certamente que sim. Sobretudo numa altura em que temos um primeiro-ministro de esquerda a governar à direita. Quer dizer: vivemos numa época em que as ideologias se esfumaram, em que ninguém consegue vislumbrar diferenças substanciais entre PS e PSD, e agora há quem queria inventar divisões ideológicas para a comunicação social. Não brinquem comigo...
Sob a capa da "transparência" o que se esconde, como sempre, é o desejo de controlar a informação que é transmitida ao público, de modo a prolongar a presença no poder. É um tique velho como o mundo, mas que agora pintou os lábios, compôs o cabelo, vestiu roupa colorida e se mascarou de "boa política editorial". O que esta gentinha esquece é que o jornalismo - o bom jornalismo - sempre teve uma ideologia: ser do contra. Se o PS está no governo, é contra o PS. Se o PSD está no governo, é contra o PSD. É muito simples. Apesar de todas as falhas e de todos os compromissos, de todas as asneiras e de todas as omissões, o jornalismo é uma das mais belas e mais nobres profissões do mundo. Querer colá-lo ao combate partidário é apenas uma forma de o desmerecer e, em última análise, de o silenciar. Por isso convém relembrar, uma e outra vez, que a mordaça é para quem morde. Não é para os que denunciam quem mordeu.
Etiquetas: JMT
3 Comments:
Sem dúvida, o Portugal deve ser o único Páis da Europa onde a esquerda não tem um único jornal onde se reveja . Houve-os, seim, depois do 25 de Abril, mas isso já passou á história. Temos que gramar os esbirros da direita. Ou acha que o dono do Público é de esquerda? Que o dono do Diário de Notícias, Jornal de Notícias, 24 horas e Tal e Qual, é de Esquerda? Que o Expresso, o Sol, e todo o império de Balsemão é de Esquerda? A direita, além de fascista, é cega, prepotente e estúpida
O jornalismo não tem necessariamente de ser do contra. O bom jornalismo é obectivo, riguroso e impacrial. A sua obrigação é informar. dar o máximo deinformação possível, doa a quem doer. Essa sua tese é a nova cantilena de um certo pseudo-jornalismo. Espero que um dia possa fazer essa mesma afirmação quando a direita for poder. Mas tenha cuidado que o patrão poderá nao ir em cantigas e despedilo.
O comentário do Anónimo anterior supõe que JMT é "de esquerda".
Embora isso seja um termo "tontamente carimbante" e subjectivo (porque depende da posição do observador), se ele fosse "de esquerda" o «DN» tinha feito com ele o mesmo que fez com Joana Amaral Dias, Ruben de Carvalho, J. Medeiros Ferreira, Bettencourt Resendes, Alfredo Barroso... e tantos outros.
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