À beira das doze passas
Por Nuno Brederode Santos
JÁ AQUI ESCREVI sobre a tragédia do BCP. O que depois aconteceu, ou foi acontecendo, não justificaria uma insistência. Apenas se evoluiu para o que José Medeiros Ferreira, no "CM", chamou "a democratização do debate sobre a gestão bancária". É verdade. Mas algures, na avalanche dessa democratização, algum norte se perdeu.
Somos relativamente pobres entre os ricos, não somos um rico entre os pobres. Pese embora ao patriotismo dos nacionalistas, não fomos um momento autónomo ou especial da Criação. Já sabemos que os portugueses são invejosos, megalómanos e depressivos. (São portugueses os que no-lo relembram diariamente). Mas são-no como os franceses, os holandeses e os suecos. Enquanto, por sondagens de venda fácil, nos querem convencer de que a maioria de entre nós anseia por se submergir na Espanha, a Bélgica definha, a Itália treme e nos Balcãs, ninguém está certo de existir.
Até bem recentemente, toda a esquerda e alguma direita, mais desassombrada ou sincera, compartilhavam de uma convicção. A de que o poder económico ameaçava o poder político. Um mal típico do "primeiro" mundo, pois o que é típico do "terceiro" é ser o poder político a fazer o poder económico, a torná-lo sucursal e reserva para futuros incertos. Entre nós, só mesmo os mais distraídos é que não se preocupavam com o poder condicionante dos principais grupos económicos - e de alguns grandes bancos em particular. Só quem não vê televisão, não lê jornais, não vai à bola e não sai à rua, é que não teve esta inquietante percepção.
Mas o império do momento é poderoso. Trucida os dias, as semanas e os meses. Trucida a História. Insiste em querer que o tempo seja a mera eternização do efémero. Por isso explodiu agora este formidável debate sobre a ameaça que os partidos representam para os bancos e que o poder político representa para o poder económico.
Tudo seguia a mais mansa e consensual das rotas, quando Luís Filipe Menezes, que parece dado a azias de espírito, se lembrou de evocar uma "OPA informal do Governo sobre o BCP" para reclamar a presidência da Caixa Geral de Depósitos para Miguel Cadilhe. Antes mesmo do Governo ou dos partidos, caíram-lhe em cima o céu e a terra e a comunicação social inteirinha. Mas eu acredito que Menezes nem quis tomar de assalto a Caixa. Quis apenas algo mais simples, natalício e infantil: dar um horizonte de esperança aos seus apoios internos, manter a chama entre os deserdados que herdou, mostrar que tem o cuidado de reclamar para os seus os "bons lugares". Claro que a paragem cerebral não é o melhor momento da inteligência e Menezes não pensou na posição em que deixava Cadilhe (que não é um devoto mas um mero aliado de circunstância). Como não pensou no favor que fazia ao Governo. Porque Teixeira dos Santos, a quem cabe o exercício da função accionista do Estado, passou a ter maior folga para qualquer escolha - até para fazer o brilharete de escolher alguém do PSD, mas recrutado de entre os vencidos do Congresso e dos afectos a Cavaco (onde até há muito mais nomes possíveis do que entre as hostes vencedoras).
Quando não anda às voltas com o seu gatilho ansioso (e não dispara sobre o dedo grande do pé), Menezes sabe - ou tem junto de si quem saiba - uma verdade elementar: para quem quer que acompanhe a vida nacional, para quem quer que faça ou tenha feito vida partidária, para quem quer que tenha espreitado por dentro o sector empresarial do Estado. É certo que os gestores profissionais que têm cartão partidário beneficiam deste para o serem. Mas, uma vez instalados, não são comissários do partido na empresa, são a influência da empresa no partido, na Assembleia, no Governo. São o "lobbying" à nossa moda. Podem até mediar um financiamento ilegal em eleições, mas será sempre com o conhecimento (discreto) dos colegas. Mas têm a plena consciência de que a sua vida e o seu futuro jogam-se na empresa, e não no partido.
Daí que, quando a actual discussão serenar, possamos voltar à questão que sempre nos ocupou: as tentações da banca para influenciar e condicionar os partidos e os governos. Porque, se bem me lembro, a europeíssima ameaça que enfrentamos é a da prevalência do poder económico sobre o poder político - e não o seu contrário. Como na velha graçola reviralhista de outrora: "Salazar não é da Pide. A Pide é que é de Salazar".
«DN» de 30 de Dezembro de 2007
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