No escuro do cinema
Por Alice Vieira
QUANDO ME ESTIVEREM A LER, o Natal está mesmo à porta, e se calhar eu devia escrever uma crónica toda cheia de paz na terra, homens de boa vontade e coisas assim. Juro que tinha pensado nisso.
Mas eu estou sozinha com quatro crianças em casa (como acontece, nesta altura, a muita avó desta terra…) e, sem outras alternativas, enfiei-me com todos no cinema, a ver um desses filmes natalícios que por aí andam.
Acabo de chegar a casa tão traumatizada, que esqueci todos os temas em que tinha pensado, para falar desta aventura que acabo de viver numa das salas de cinema de um centro comercial lisboeta (e que, se calhar, até nem está muito distante da crónica que aqui escrevi há duas semanas.)
Imaginem a cena uma ou duas mães de família pegam nos seus rebentos, todos entre os 10 e os 12 anos, enchem-nos de baldes gigantescos de pipocas e de não menos gigantescos baldes de coca-cola - e largam-nos no cinema. É, possivelmente, uma festa de anos, pois os rebentos são tantos que enchem quase três filas.
Imaginam a cena? Três filas de pré-adolescentes à solta no escuro do cinema? Não imaginam, mas eu conto.
Mal o filme começa, desatam numa gritaria a chamar uns pelos outros, a trocarem de lugares, a passearem-se pelas filas como se estivessem em casa, conversando em voz alta, levantando-se, rindo, e obviamente atirando pipocas estilo quem-é-que-acerta-mais-vezes-na cabeça-dos-que-estão-à frente.
Por mais que as pessoas os mandassem calar, nada feito, apenas a risota subia de tom, e a má criação aumentava.
Uma senhora ameaçou sair e chamar alguém se eles voltassem a atirar com pipocas, ao que um respondeu "é preciso terem paciência connosco, porque somos crianças".
Aí saltou a tampa ao rapaz atrás de mim,"crianças? Mas vocês são crianças? Têm seis anos, têm? Não têm, pois não? Podem vir ao cinema, não podem? Ninguém vos obrigou, pois não? O que vocês são é uns grandes malcriados!
"Voz de homem (ainda que não muito mais velho do que eles…) impõe sempre algum respeito e, por momentos, os actores no écran conseguiram falar mais alto.
Sol de pouca dura.
Acabámos por ter de aguentar, que remédio, na sala não havia ninguém para os pôr na ordem, e as mãezinhas e paizinhos deviam andar pelos diversos pisos do shopping nas compras de Natal.
Os rebentos (não, não eram de bairros problemáticos, e os da fila à minha frente davam pelos sintomáticos nomes de Tomás, Sebastião, Carminho, Martim, e afins) levaram a melhor porque ninguém podia fazer o que quer que fosse. Saíram da sala à gargalhada - e deixaram o chão num verdadeiro chiqueiro, como se um tornado por ali tivesse passado.
Mas não duvido de que, na escola, sejam todos muito ecológicos, e façam excelentes trabalhos sobre a necessidade de proteger o ambiente. Ambiente que, evidentemente, eles não têm a mínima noção do que seja.
Tal como não fazem a mínima ideia do que seja viver em sociedade. Porque, evidentemente, ninguém se preocupou em ensiná-los.
«JN» de 23 de Dezembro de 2007
Etiquetas: AV
3 Comments:
"Ninguém se preocupa em ensiná-los"? Mas as Carminhos e os Martim não têm mãezinhas, que até os despejaram no cinema? Ou elas é que não foram ensinadas, para ensinarem os queridos rebentos? E os colégios chiques, que frequentam, que fazem?
filhinhos de gente mal educada , daqueles que utilizam todos os meios para atingirem os fins . a nossa sociedade está cheia de gente dessa . competitiva e sem escrúpulos...
Bom, para não se pensar que poderia ser um caso isolado conto apenas uma estória passada comigo numa cidade do Sul do pais;
Dirigi uma Obra que confinava com uma escola primária, obra de algum investimento e cuidado qual não é o meu espanto quando começei a me aperceber de pedras a serem disparadas numa base regular para dentro do estaleiro...pensámos que fossem alguns selvagens a disparar calhaus (sim, e bem grandes) de forma aleatória, cedo percebemos o mote, crinças de 7 anos da escola primária a querem acertar nos nossos operários e maquinaria, petizes que não contentes com os insultos (acho que nunca tinha ouvido tal palavreado)decidiram passar à acção.
Bom, para resumir,visitei a Escola por diversas vezes, tirei fotos dos pequenos diabos, e nada foi feito, curioso mesmo foi estar a falar com a Directora da Escola no seu gabinete e ela ao me dizer que nada podia fazer sobre o caso, um pequeno diabo entra, dá-lhe um encontrão e bate com a porta; fiquei estarrecido, parecia o Chucky, aquele boneco do Demo; a senhora pediu-me desculpa pelo comportamento das crias ao que eu-lhe respondi, sabe senhora Directora, no meu tempo...
Para onde é que isto vai?!?!
p.s. A saraivada de calhaus continua.
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