Dez dias que lhe abalaram o mundo
Por Nuno Brederode Santos
PENSOU QUE ERA O DESTINO a passar-lhe rente à porta. Deslumbrou-se com o estatuto e o "panache", pelo que, na luta por eles, entregou o poder que conquistara a todos os aliados de ocasião: Santana, Jardim, Ribau, Marco António. Para desmentir a ideia de ruptura, engalanou-se com comendas antigas: Ângelo Correia, Luís Fontoura, Mira Amaral. Para esconjurar alguns demónios, quis ainda neutralizar Cavaco, Balsemão, Ferreira Leite. Depois - enfim - percebeu. Só não percebeu que era tarde. Que nem todas as epopeias pessoais culminam na glória ou no caos: há muitas que estiolam, gemebundas, na pior melancolia.
Em dez escassos dias, Menezes deu a volta ao seu mundo. Da postura de Custer, à frente da carga ingénua do Sétimo de Cavalaria, passou à de David Crockett, nas paliçadas do Álamo: se está perdido por mil, "let´s give America something to remember". O PSD de Menezes já está a posar para a História. Já não constitui uma ameaça populista ao cruzeiro institucional do regime. Ameaça, sim, mas tão só, a vocação governativa do partido. Claro que para um jovem quadro laranja que julga que a vida inteira se joga no futuro próximo, essa visão embaciada, trémula e cada vez mais longínqua do poder a curto prazo é muito, se não for tudo. Mas para os demais são boas novas.
Talvez o primeiro sinal desta descida a esse mundo alternativo, em que os avatares querem ser primeiros-ministros, tenha sido dado com uma estratégia de tudo e nada: se for eleito, "desmantelo o Estado em seis meses", mas, durante a próxima legislatura, "não encerrarão mais serviços públicos". Ou com a surpreendente declaração de que, se alguém lhe quisesse disputar a liderança, ele promoveria de imediato umas "directas": um líder com quatro meses de exercício - e que os mais cépticos julgavam estar tranquilo - lançava assim a intranquilidade entre os seus e mostrava-se presa dos piores terrores nocturnos. Agora, porém, refinou: "Se querem que eu saia, terão de tirar-me à bomba." Isto já não é o "Papão" ou o "Homem do Saco": é Freddy Krügger em "Elm Street". E o consequente surto bombista vai envergonhar a Al-Qaeda. Porque os pretextos não vão faltar.
Os sinais vêm-se acumulando. Tanto que já não deixam dúvidas. A virulência do ataque a Miguel Veiga (a quem mais não se exigia do que o respeito pelo estatuto conquistado), um imprevisto apoio de Cavaco nas presidenciais, deu o mote. As várias tentativas de desautorização de Santana (de que estão em curso a ruptura dos pactos na justiça e na lei autárquica, por este negociadas) e o sacrifício de Ribau Esteves (subscritor da famosa carta a pedir aos presidentes de junta um sacrifício afinal inútil) fizeram o resto. O anúncio de uma auditoria externa às lideranças anteriores (de Durão Barroso e Santana) irá produzir novos inimigos. E o já famoso acrescento "o meu PSD não tem nada a ver com isso" faz a síntese perfeita do suicidário "orgulhosamente sós" - de que ainda muita gente se lembra - com essa forma desesperada de priapismo indolor, que é o "depois de mim o dilúvio".
E o dilúvio aí vem. Baseado nos autarcas, fogem-lhe já vultos maiores como Rui Rio e Capucho. Jardim vai sublinhando a condicionalidade do seu apoio. Paula Teixeira da Cruz reúne um grupo, razoavelmente transversal, de notáveis e anuncia um clube de reflexão. O "Compromisso Portugal" reanima-se, muito por conta da sua predominância PSD, mas é a Cavaco que presta vassalagem. Alexandre Relvas, Ferreira Leite, Rui Rio, Aguiar-Branco, Passos Coelho e António Borges reaparecem nos comentários divinatórios dos jornais. Nada que Menezes não conheça. Tudo isto é metade do que ele atiçou contra Marques Mendes.
Só um factor joga a favor de Menezes: o tempo. Mas talvez não chegue. Mesmo sabendo que, da data das eleições legislativas, há que recuar para a da formação das listas (mais o período necessário para aplacar os inevitáveis descontentamentos); e que, desta, há que recuar para a antecedência necessária a que uma nova liderança surpreenda o país e ganhe credibilidade para poder explorar alguma usura governamental. Porque mesmo sabendo tudo isto - que significa que o corrente ano (ou muito pouco mais) é o prazo útil para encontrar uma alternativa interna - ensinam-nos a experiência e a lógica das coisas que alguma séria tentativa será feita.
«DN» de 24 de Fevereiro de 2008
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NOTA (CMR): O Sorumbático oferece um exemplar do livro de John Reed «Dez Dias que Abalaram o Mundo» ao autor do melhor comentário que seja feito a esta crónica até às 20h da próxima quarta-feira, dia 27. Actualização: o júri decidiu atribuir o prémio ao leitor "Musicólogo". Obrigado a todos!
Etiquetas: NBS
4 Comments:
Mundos que se abalavam...? Ora, isso era dantes, o Mundo,olhando para esta nossa terra,de certeza que,por entre risos,"...pula e avança,como bola colorida entre as mãos duma criança..."
Obrigado ao Rómulo de Carvalho.
Fernando Antolin
O PSD é uma miragem. Um oásis que já teve o seu tempo e secou. Esteve no poder duas vezes, com maioria absoluta e conduziu ao desastre que se viu: desde o Império do Betão de Cavaco às trapalhadas de Santana, nada, ou pouco escapa. O povo insurgiu-se e falou: o PS ascendeu aos céus.
Tratando de um país delapidado (muito curioso, que destino terão tido os milhões de milhões dos fundos comunitários?), as políticas puramente economicistas de Sócrates tentam pôr o país na retoma económica. E o Socialismo vai às malvas. O povo também não gosta, mas diga-se a verdade, a crer nas sondagens, não desgosta assim tanto.
A juventude pura e simplesmnte demite-se, nunca houve abstenções tão altas. E os de maior craveira e sabedura vão para o estrangeiro, querem lá saber deste cantinho onde são queimados e ninguém lhes reconhece valor!
Alternativas? Não há. O CDS escoa-se e esvai-se. Desaparece em pouco tempo, como desapareceu da câmara de Lisboa. A direita cai em flecha.
Sobe a CDU, um partido morto e enterrado para alguns. Não pelas suas convicções anacrónicas mas sim porque é uma voz de oposição. Um grito de revolta dos que já não suportam a bicefalia PS/PSD.
Ganha o BE aos pontos. Que sobe, sobe cada vez mais. Também ele, especialmente na urbe, graças ao grito dos descontentes das classes que percebem alguma coisa do que se passa no país.
Não há solução à vista, pois, para Menezes. Ou seja para quem for. O problema do partido não está no seu líder, está na sua herança pesada de má governabilidade não perdoada por muitos. E o PS arrisca-se para lá a caminhar também. Nada que não tenha acontecido por essa europa fora antes.
Depois admiram-se que os partidos de extrema-esquerda ou extrema-direita cresçam e grassem por aí.
Não me admira nada se nas próximas legislativas CDU+BE (aqui entendidos como extrema-esquerda, dada a realidade portuguesa), passarem a fasquia dos 20% somados os votos destas duas forças políticas.
E também não me admira que, ainda que residualmente, o PND e o PSR continuem a crescer, lenta, lentamente.
"Só um factor joga a favor de Menezes: o tempo. Mas talvez não chegue."
O TEMPO?
Do tempo passado ficam-lhe as lágrimas,"os mouros sulistas" e as dívidas na Cãmara. Do Tempo presente, fica-lhe as tontices das medidas propostas (acabar com o Estado em seis meses), os zigzags com Santana Lopes, etc. Só se for o tempo futuro...mas esse, é do Rui Rio.
Actualização: o júri decidiu atribuir o prémio ao leitor "Musicólogo".
Obrigado a todos!
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