25.11.08

No liceu, há 50 anos

Por Alice Vieira
NESTES TEMPOS escolarmente muito conturbados, lembro-me muitas vezes dela.
Não me lembro do nome, mas nunca hei-de esquecer a sua voz mansa, o cabelo todo branco (embora ainda fosse nova), o casaco comprido castanho, e a malinha enfiada no braço.
Tinha vindo de outra escola, e também não aqueceu ali o lugar: eram tempos complicados, e pensar pela própria cabeça ( e — pior do que isso — pôr os alunos a pensar pela deles) pagava-se caro.
Nunca soubemos o que lhe aconteceu. Como na cantiga, “às duas por três chegou/ às duas por três partiu”.
A primeira vez que entrou na nossa sala de aula, olhou para todas como se não soubesse o que havia de nos dizer.
Depois abriu a malinha.
Da malinha tirou um livro.
(...)
Texto integral [aqui]
NOTA: o melhor comentário feito a esta crónica até às 20h do próximo sábado será premiado com um exemplar de «O Que é Ser Professor de Literatura», de Carlos Ceia. No entanto, se houver 8 comentários (ou mais), haverá um 2.º prémio, podendo então o vencedor escolher entre o livro atrás referido e «A Peste», de Camus; o 2.º classificado ficará com o outro. V. [aqui] as capas e contracapas dos prémios.
Actualização (29 Nov 08/ 21h17m): o resultado do passatempo já pode ser visto [aqui].

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11 Comments:

Blogger R. da Cunha said...

E a reitora (deveria ser mulher) permitiu as aulas de substituição dadas por essa professora durante muito tempo? Não "informou" ninguém da inconveniência de ter leituras daquelas, de livros e de autores não previstos no programa? E logo Camus! Vade retro!
PS-Dou por recebido o "Rififi", que agradeço.

25 de novembro de 2008 às 18:33  
Blogger ART said...

Gostei de ler este texto. Fez-me lembrar o meu liceu, não tanto há 50 anos, mas há 4 ou 5. É um bom ponto de partida para a comparação com a escola de hoje que não me parece que consiga ser um ponto de evasão, aquele momento de evolução. Está padronizada, regrada, cinzenta, rotineira. Não há a raridade (por exemplo no texto, a leitora/substituta). E quando podia servir para transportar os alunos para outro mundo falha redondamente: em suma, está superficial (é de facto as TICs, agora os Magalhães...). Às vezes pergunto-me que quantidade de pessoas vão, daqui a alguns anos, gostar do toque e do cheiro da folha do livro. Há coisas que não são do domínio externo e que não podem ser objectivadas num powerpoint: a solução boa é só mesmo sentar, ler, escutar, pensar, umas vezes connosco, outras em grupo, mas o método não pode ser outro. Tive um grande professor no secundário: sentava-se, lia, comentava e depois comentávamos nós. Cada aula era diferente e tive verdadeiro prazer com as Viagens Na Minha Terra, com o Amor de Perdição... Eramos 30, a turma, mas a aula era só minha: a palavra, a frase, o texto, a voz do professor e o meu pensamento. Aprendi a ler e a escrever, a sentir a leitura e a escrita, assim. Se não fosse esse professor, nesse ano, naquela escola, hoje não era o mesmo. Nunca lhe agradeci olhos nos olhos, mas espero o momento. Acredito que a raridade brota raridade. Não é ser catastrofista, mas hoje acho que tendemos para uma "comunalização" excessiva e perigosa. Precisam-se de mais "leitoras proibidas".

25 de novembro de 2008 às 20:12  
Blogger R. da Cunha said...

Experiência pessoal, noutro nível de ensino:
Chegados a Junho, o professor de Estatística apercebeu-se de que não podia cumprir o programa que se tinha imposto. Não obstante, gostaria de dar mais umas aulas, não obrigatórias, de matéria que não sairia no exame final. Essas aulas tiveram a presença de quase a totalidade dos alunos!
Não havia faltas e a matéria estava fora do exame final, repito.
Respeito do professor perante os alunos e respeito destes perante aquele e o reconhecimento do seu esforço e do seu valor.

26 de novembro de 2008 às 00:43  
Blogger Ana said...

Eram realmente outros tempos, em que o medo perseguia as pessoas fisicamente, mas não as suas mentes... essas ainda podiam ser livres, nem que por breves instantes, para ensinar a ver mais além, passando a ideia que o mundo não se resumia aos costumes implementados pelo regime da ditadura... A nossa mente/pensamento será a única coisa que será sempre livre...

26 de novembro de 2008 às 01:12  
Blogger Luís Bonito said...

Que linda lição!
De vida.
Da professora.
Da autora.

26 de novembro de 2008 às 09:29  
Blogger Musicologo said...

Grande Professora! As aulas de substituição deveriam ser sempre encaradas como um espaço onde os alunos poderiam e deveriam alargar horizontes, sendo-lhes fornecida cultura geral extra-programática. Assim como assim são «aulas-extras», que os alunos já não contavam ter. Porque não orná-las de coisas apelativas em vez de serem apenas tempos mortos para encher chouriços?
Conhecidas as dificuldades desta geração a Português e a sua falta de hábitos de leitura, eis uma solução fantástica. Todo o professor de qualquer área sabe ler. Ter um livro preparado para ir sendo recitado sempre que um professor faltasse parece-me ser uma boa solução para colmatar um buraco.

27 de novembro de 2008 às 18:49  
Blogger Goretti said...

No contexto educativo de hoje, momentos desses vão sendo mais raros e, quando acontecem, é porque os docentes se colocam à margem do rol de funções burocráticas e pressões programáticas, remando contra a maré da "burrificação" dos alunos em prol de estatísticas educativas para relatórios mais ou menos encomendados.
As aulas de substituição no contexto actual servem para o professor de substituição colocar em prática a delineação deixada pelo docente que faltou, ou seja, eu (professora de inglês) sujeito-me a realizar com os alunos actividades que não são da minha responsabilidade nem área científica. Isto porque, se se adoptasse o método que eu tinha na Alemanha, o professor que susbtituia era da mesma área disciplinar do professor que faltava, dando efectivamente uma aula na sua área disciplinar. No nosso contexto legislativo, tal implicaria o pagamento de horas extraordinárias aos docentes (pois essa aula não está prevista na componente lectiva do docente), coisa que o ministério da educação não pretende implementar, por motivos óbvios.
Quem de nós, professores, não trabalha para aquele pequeno e breve instante em que vemos aquele brilho especial nos olhos de um aluno, que nos diz que houve um desafio conquistado?
E será que os alunos ainda dão valor à "vitória" por si só, sem prémios materiais, pela pura satisfação de ter conseguido?
Desculpem-me este devaneio um pouco longo. Muito mais haveria para dizer, mas não vos quero maçar.

28 de novembro de 2008 às 22:03  
Blogger Unknown said...

O que acontece hoje em dia é que os professores são uma classe descontente e sem motivação para dar aulas normais, quanto mais aulas de substituição.
Mas na minha opinião tudo acaba por partir de algum desleixo, na medida em que muitas vezes nem se esforçam para preparar as ditas cujas.
Mesmo relativemente às aulas normais, muitas vezes apenas se preocupam em seguir o programa à risca e não se apercebem do que esta professora se apercebeu e teve a coragem e capacidade para fazer.
Muitas vezes é necessária uma abertura de espírito por parte dos formadores, para que as mentes se possam "abrir". É importante saber perceber o mundo em que vivemos e não apenas o que já se viveu, apesar de considerar que o passado é muito importante.
Esta professora foi uma "open mind" no regime que tanto medo espalhava à sua volta.

29 de novembro de 2008 às 19:44  
Blogger Goretti said...

António,
Deixe-me só esclarecer um ponto:
As aulas de substituição não são preparadas pelo professor que vai substituir. Na maior parte dos casos o professor que vai substituir limita-se a cumprir o plano de aula deixado pelo professor que faltou.
Falando ao nível da minha escola isso acarreta vários problemas:
1. O professor que substitui raramente é da área disciplinar do professor que faltou.
2. A situação anterior leva a que haja especificidades fora do ãmbito disciplinar do professor que foi substituir. Imagine-me, professora de Inglês, a dar uma aula de substituição a uma turma de Física/Química do 11º ano, em que o professor tenha deixado uma ficha para resolver.
3. Consequentemente, nada se ganhou, pois o professor que faltou terá necessariamente de voltar ao que foi feito na aula a que faltou para corrigir a ficha ou repetir a matéria teórica.

Relativamente a esta sua afirmação:
"Mesmo relativemente às aulas normais, muitas vezes apenas se preocupam em seguir o programa à risca e não se apercebem do que esta professora se apercebeu e teve a coragem e capacidade para fazer."
Dando o exemplo da minha disciplina, tenho, no 9º ano, apenas um bloco de 90 minutos por semana. Tanto o ministério como os pais exigem de mim que o programa da disciplina seja cumprido e, mesmo que não falte, é uma tarefa gigantesca cumprir o programa. Falar na teoria é bonito, mas diga-me se também seria bonito ser alvo de uma queixa porque em vez de dar o programa da disciplina estive a "conversar" com os alunos para lhes mostrar que o mundo vai para além de uma sala de aula...
Para lhe dar outro exemplo: uma colega minha de Matemática coloca música aos alunos na aula enquanto estão a resolver exercícios. Essa colega teve a adjectivação de "baldas" por parte de uma encarregada de educação.
Caro António, nós temos abertura de espírito, só pedimos espaço para nos deixarem trabalhar.

29 de novembro de 2008 às 20:13  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Embora, para efeitos de prémio, o passatempo já tenha terminado (às 20h), os comentários continuam a ser muito bem-vindos!

29 de novembro de 2008 às 20:16  
Blogger Goretti said...

lol
O post é interessante. Convida a comentários, com ou sem prémios! :)

29 de novembro de 2008 às 20:20  

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