29.6.11

Que viva a Grécia!

Por Baptista-Bastos

A GRÉCIA parece ter peçonha. Nas reuniões internacionais, Papandreou é objecto de todas as recuadas atenções e de todos os silenciosos desfavores. Os países "periféricos", nos quais se inclui Portugal, nada querem a ter com a Grécia, uma desgraça que dá azar. A simples menção do nome do país faz estremecer de horror os dirigentes da Europa "pobre." A Grécia é-lhes desprezível. Temem o "contágio", e afirmam, com fogosidade, nada ter a ver com "aquilo". Se a Europa económica e política está a desfazer-se, a Europa moral (o que quer que a expressão signifique) só não cai em estilhaços - porque não existe.

Entre dentes ou, até mesmo, com clareza impudica, políticos de países "menores" não querem paralelismos comparativos com os gregos. Os gregos são a desonra da Europa. Basta observar como o primeiro-ministro daquele país é olhado (de viés) e tratado (como um subalterno) para se entender o carácter separatista e discricionário da União. A Europa germanicamente "imperial", tão bravamente desejada e imposta por Angela Merkel, faz o seu caminho, com exclusões e inclusões das mais absurdas. A fragilidade desta pseudoconstrução, na qual se pretendia criar uma nova identidade política e económica, com base num igualitarismo de poderes e de decisões, é uma evidência - e um colossal embuste.

A Grécia, por todos os motivos que a definem e nos definem, é uma instituição cultural e uma entidade política e estética que não deve ser submetida a estas desconsiderações, enraizadas num capitalismo tão predador quanto ignorante. Diz quem não sabe: a Alemanha e os países mais ricos não podem pagar pelos erros e desmandos dos dirigentes gregos. É verdade. Porém, as causas das coisas não são tão simples. E a aplicação, à Grécia, de juros superiores a mais 20% pode sugerir-nos que há teias insidiosas, cuja invisibilidade não é assim tão obscura. A quem e a que países interessa o desmantelamento do projecto europeu, e à acentuação de uma complexidade que nos inculca um desequilíbrio insustentável?

A ideia segundo a qual a Grécia criará um efeito de dominó imparável tem adeptos poderosos. E, nos meios de comunicação, há jornalistas e comentadores estipendiados para defender essas bandeiras. As quais são as bandeiras dos poderes ocultos que ambicionam o domínio sobre os Estados e a subversão da própria democracia.

A desobediência civil, manifestada em múltiplas e diversas acções dos gregos, poderá não ser, ainda, uma sintaxe revolucionária. Poderá. No entanto, um pouco por toda a parte, as pessoas começam a fartar-se das iniquidades e violências de um sistema que encaminha as nações para o caos. Preservar a liberdade num mundo cada vez mais cercado e caracterizado pela barbárie é um imperativo moral e uma imposição de consciência.

«DN» de 29 Jun 11

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5 Comments:

Blogger José Batista said...

Coitada da Grécia, aonde chegou.
E de nós, porque para lá caminhamos. Ou para lá nos leva(ra)m. Ou ambas as coisas.
Ou...
Qual é a alternativa?

Mostrem(-me) lá que estou enganado.
Por favor.

29 de junho de 2011 às 22:32  
Blogger GMaciel said...

Amigo José Batista,

A alternativa é fazer como a Islândia: correram com os partidos, constituíram uma Assembleia de Cidadãos e alteraram a Constituição de forma a poder responsabilizar criminalmente os governantes pela estado do país. Alguns já foram constituídos arguidos.

Referendaram e disseram não ao pagamento da dívida dos seus bancos e estão a erguer-se, lentamente mas estão.

Por cá é utopia pensar-se am algo semelhante, basta ver como se institucionalizou a ideia de que não há democracia sem partidos e como a garganta é maior do que a vontade de mudar o que quer que seja.

Alea jacta est!!!

29 de junho de 2011 às 22:44  
Blogger José Batista said...

Minha boa amiga Graça Maciel:

Oiço algumas coisas sobre a Islândia, mas considero-me mal informado sobre o assunto. E fico com a ideia, eventualmente injusta, de que, quem podia, e devia, nos informa pouco...
Mas afigura-se-me que há aqui um problema de escala: se um país tem 300.000 ou 400.000 habitantes, e se uma fracção significativa deles são crianças, não será difícil reunir uma percentagem muito significativa de toda a (restante) população num qualquer local: uma praça, um recinto..., e face a face, escolher representantes que mereçam confiança, pela sua firmeza e esclarecimento, e tomar decisões. E apoiar e vigiar o cumprimento dessas decisões.
Agora se isso não é possível, e não o é com milhões de pessoas, lá se tem que pôr de pé uma ou mais organizações. E, entre nós, as organizações tendem a funcionar como... os partidos!
Daí a minha preocupação/aflição, quando presencio cenas como as que se passam na Grécia...
E por isso, em minha opinião, o nosso mal não vem (originariamente) dos partidos. Vem antes de sermos... como somos. E, se não estou errado, (quase) sempre fomos...
Claro que eu queria que... deixássemos de ser. Mas não consigo ser optimista.
Apesar do privilégio de poder trocar ideias com pessoas como a Graça Maciel. O que já é um bem (inestimável).

30 de junho de 2011 às 12:52  
Blogger GMaciel said...

[glup]

Bom, depois de engolir a atrapalhação pelo final do seu comentário, amigo José, e antes de prosseguir, deixe-me dizer-lhe que o sentimento é recíproco.

Sinceramente, eu adoraria poder acreditar no que eu mesma digo, mas tenho a noção de que o José está coberto de razão sobre nós e a grande diferença - não apenas numérica - entre esta nação antiga e a Islândia.

Penso que esta, a diferença, está na cultura de ambos os povos e, consequentemente, na mentalidade, mais do que no número de cidadãos. Países maiores do que o nosso são constituídos por uma sociedade muito activa em termos de cidadania, ao contrário de cá que nem para reclamar as pessoas estão para se chatear (rimou e é verdade).

Quanto aos partidos, se pensarmos que todos eles se constituíram coutadas elitistas que decidem, per si, quem é alcandorado aos mais altos cargos, deixando os restantes aos mais leais serviçais - com excepção das grandes urbes, Lisboa e Porto - e aos idiotas úteis a defesa do partido, fica tudo dito sobre esta democracia de farsa.

Entretanto, PPC anunciou há pouco o corte de 50% no 13º mês.

Aparentemente não há volta a dar: estamos tramados e cada vez mais mal pagos.

abraço

30 de junho de 2011 às 15:42  
Blogger José Batista said...

É como diz, minha amiga.
Tinha a ideia de que a Graça Maciel tem sobre o assunto um pensamento claro.
Confirmo-o. E concordo consigo.

Resta-nos a liberdade de poder "falar".
E, com (infinita) paciêcia, "falando,falando", pode ser que alguma coisa mude, alguma vez...

Que não nos doa a voz.

Bem haja.
Um abraço.

30 de junho de 2011 às 19:02  

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