6.11.11

É clássico: depois do grego, o latim

Por Ferreira Fernandes

ADOLESCENTE nos anos 60, tinha a convicção comum à minha geração: o mundo só podia ir para melhor. Com Imagine de música de fundo e o PIB dos países da OCDE sempre a crescer - as 30 gloriosas, como o economista Jean Fourastié chamou às três décadas seguintes à II Guerra Mundial -, o futuro era radioso.
Depois vieram os choques do petróleo, 1973, 79, 91, 2008, e ficámos aves marinhas depois de naufrágio de um petroleiro - com as asas impróprias para o imaginar e sonhar da canção de Lennon.
Mas nem essas lições me prepararam para os dias de hoje. Papandreouamos todos, entre o dracma e o drama, e, agora que até a Itália abana, tudo parece a tragédia clássica ontem anunciada na capa do jornal francês Libération: "Depois do grego, o latim."
Como cabecinhas pensadoras, estamos falados: uns falhados. Restava-me a ilusão do corpo: o homem era cada vez mais capaz de mais rápido, mais alto e mais forte. Pois nem isso, diz o antropólogo australiano Peter McAllister. Medindo as pegadas de aborígenes australianos, de há 20 mil anos, ele calculou que corriam a 45 km/hora, mais do que Usain Bolt. E pelas fotos, de há cem anos, de ritos perdidos dos tutsis, tribo da África Oriental, eles saltavam 2,52 m, mais 7 cm do que o actual recorde mundial.
Esta decadência corporal tem explicação: o que move Bolt são os 300 mil dólares por corrida; o que movia o aborígene era comer ou ser comido. Se calhar isso também nos explica e a Grécia.
«DN» de 6 Nov 11

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