24.9.12

Sobretudo não efabulem

Por Ferreira Fernandes
A FRASE de Miguel Macedo é de leitura lisa, não tirada do contexto: "É nestes tempos difíceis que é preciso ter esta pedagogia: nós não podemos ser um país de muitas cigarras e poucas formigas", disse ele. Quer dizer, é em pleno olho do ciclone desses "tempos difíceis" que o responsável político decide não ser nem uma coisa nem outra. 
Não fora os tempos difíceis, esta crónica derretia-se em ironias. A crítica de Miguel Macedo poderia ser apresentada como indício de mais uma fratura governamental: afinal, o seu primeiro-ministro é barítono, frequentou aulas de canto e até foi aprovado num casting de Filipe La Féria para o musical My Fair Lady. Um ministro português menosprezar cigarras seria como a ministra Hillary Clinton evocar a cabana do Pai Tomás numa reunião com Obama. 
Não fossem estes tempos difíceis, eu também evocaria aqui o poema de Alexandre O'Neill Minuciosa Formiga (que Amália canta tão bem), em que todos os versos apontam o dever ser da formiguinha "ao trabalho e ao tostão", para nos dois versos finais se destruir a ideia certinha: "Assim devera eu ser/ Se não fora não querer." 
Mas não vou por aí, porque os tempos são difíceis, de facto. Duplamente: 
1) pela crise (a mãe de todas) 
2) pela crise conjuntural (a desconfiança recente do povo em relação ao Governo). 
Por 1), sim, devemos ser todos formiguinhas. E por 2), não, nenhum governante pode dizer, sugerir ou efabular que os portugueses são cigarras.
«DN» de24 Set 12

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