Ele há homens e ele há homens
Por Ferreira Fernandes
É CONHECIDO o verso do poema de Lorca dedicado ao toureiro Ignacio Sánchez Mejías: "Eran las cinco en punto de la tarde." Menos conhecido, até porque não há, é o verso: "Eran las seis y veinte y dos en punto de la tarde." Não há mas devia haver. Por essa exata hora do dia 23 de fevereiro de 1981, em Madrid, o Parlamento foi invadido por um bando e o chefe deste, um tenente-coronel bigodudo, subiu à tribuna e gritou: "Quieto todo el mundo!" Assistiu-se à humilhação: todos os deputados (quer dizer, toda a nação) encafuaram-se que nem coelhos sob as cadeiras e o tampo das mesas. Um militar na tribuna com uma pistola na mão - cujo disparo para o teto convenceu os hesitantes - dominava a casa dos representantes do povo.
Mas quer a história que por vezes haja uns mais representantes do que outros. Três homens não obedeceram: um velho general, então ministro da Defesa, Gutiérrez Mellado, um homem de direita, o chefe do Governo demissionário, Adolfo Suárez, e um homem de esquerda, o comunista Santiago Carrillo. O general levantou-se para interpelar o bando e foi agredido, Suárez e Carrillo mantiveram-se sentados, soberbos. O general morreu em 1995, Suárez perdeu a lucidez e vive retirado e Santiago Carrillo morreu ontem.
O último verso de Lorca diz: "Eran las cinco en sombra de la tarde." No poema que não foi escrito, o das seis e vinte e dois de 23 de fevereiro de 1981, a palavra não seria sombra, mas luz. Graças a três homens.
DN de 19 Set 12Etiquetas: autor convidado, F.F
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