«Dito & Feito»
Por José António Lima
MÁRIO SOARES entende que, face às manifestações do passado sábado e ao
protesto das ruas, «o Governo perdeu a legitimidade democrática» e «tem
de se demitir».
Estranha concepção de democracia esta, vinda ainda
por cima de quem enfrentou há 30 anos, quando primeiro-ministro,
indignadas e estridentes manifestações de rua contra o seu Governo – sem
que, então, lhe tenha passado pela cabeça a mais leve ideia de se
demitir.
A verdade é que o Governo PSD/CDS dispõe de uma clara
maioria parlamentar que o apoia, escolhida pelos eleitores há menos de
dois anos – e, de acordo com as regras de uma democracia civilizada, só
cairá antes das legislativas de 2015 se a coligação entrar em ruptura. A
verdade, também, é que ninguém esperava – nem o Governo, nem a
Oposição, nem Mário Soares – uma legislatura fácil, sem aumento de
impostos, sem crescimento do desemprego ou sem contestação nas ruas.
E
a verdade, por outro lado, é que a dimensão das manifestações do dia 2
foi amplamente exagerada. Em Lisboa, por exemplo, terão estado, de
acordo com as imagens aéreas de um Terreiro do Paço cheio de clareiras e
com as áreas desta praça e ruas afluentes (Av. Liberdade,
Restauradores, Rossio, Rua do Ouro, e Rua Augusta), segundo cálculos
realistas e pouco conservadores, menos de 200 mil manifestantes. Muito
longe, portanto, do número estratosférico de meio milhão ou da posterior
e delirante estimativa de 800 mil inventada pelos promotores e que
grande parte da comunicação social deu como verdadeira (sem qualquer
distanciamento crítico, objectividade ou critério deontológico).
São
muitos manifestantes, sejam 70 mil, 500 mil ou 150 mil. E muita e
compreensível indignação. Não é isso que está em causa. O que está em
causa é o basismo antidemocrático em que Soares agora decidiu alinhar.
Segundo ele, bastam 200 mil ou 300 mil manifestantes – ou seja, basta o
Bloco de Esquerda mobilizar num protesto de rua os seus 280 mil
eleitores – para obrigar um Governo legitimamente eleito a demitir-se.
Bela concepção de democracia representativa, esta que Mário Soares agora
advoga. E «se não for a bem – enquanto o ‘Povo é sereno’ – será a mal»,
ameaça Soares. A rua é quem mais ordena. E que se lixe a democracia!
«SOL» de 8 Mar 13 Etiquetas: autor convidado, JAL
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