26.3.13

Drama

Por Helena Matos
PORTUGAL é governado à vez por dois partidos: um, o PSD, não sabe o que é. O outro, o PS, não quer saber o que faz e muito menos o que fez. Esta particular circunstância leva a que o PSD não tenha um discurso de poder e muito menos seja encarado pelo eleitorado como tendo verdadeira legitimidade. 
Desde Cavaco Silva que o PSD não ganha eleições por si mesmo mas sim porque o PS as perde. Os próprios dirigentes do PSD comportam-se como se reconhecessem uma espécie de superioridade moral nas propostas da esquerda em geral e nas do PS em particular: é como se eles, sociais-democratas, apenas não fossem socialistas porque, com aquela obsessão pelo ‘deficit', vivessem convencidos de que não existe dinheiro para tal. Mas claro que quando existir eles serão ainda mais socialistas que os socialistas.
Já o PS assume-se naturalmente como o partido do poder em Portugal. É assim que se sente e é assim que se apresenta. Esta relação do PS com o poder é um extraordinário trunfo quando é governo e em boa verdade é também um factor de tranquilidade para o País pois mesmo que a CGTP peça a demissão de um qualquer ministro a ninguém de bom senso ocorrerá pôr em causa a legitimidade quer do ministro visado quer do Governo no seu todo. A isto acresce que em países como Portugal, França e Espanha o socialismo passou de ideologia a ‘password' que pode validar uma coisa e o seu contrário. Nesse sentido, o PS é o partido ideal para reformar o Estado pois aquilo que num ministro do PSD é um sinal de insensibilidade social num ministro do PS é um gesto de coragem em defesa do Estado Social: foi preciso uma ministra da ala esquerda do PS, Ana Jorge, para que por uma vez se dissesse o óbvio sobre as crianças com fome nas escolas sem que meio País não desmaiasse com o choque: "Apelo às crianças e famílias que aproveitem a necessidade de contenção para fazerem sopa em casa, por forma a não gastarem em ‘fast-food' que, para além de fazer mal, é mais caro".
A bem do nosso sossego, da razoabilidade do País e para especial gosto de muitos barões do PSD, o ideal seria que o PS fosse invariavelmente governo não se desse a circunstância de boa parte do PS considerar que esta indiscutível superioridade política do partido implica uma superioridade face à lei e sobretudo face à moral. Casos como o fax de Macau, a reacção ao escândalo Casa Pia que terminou naquela inenarrável recepção a Paulo Pedroso na Assembleia da República, o Freeport ou a tentativa de silenciamento da TVI poderiam acontecer com o PSD. 
O que só o PS consegue é apresentar tudo isso como o resultado de cabalas e urdiduras. Nesta particular relação com o seu passado, parte do PS quer agora que António José Seguro assuma a defesa do chamado legado de Sócrates. Ou seja parte do PS pretende como linha para o partido o alargamento ao âmbito da política da atitude que os notáveis do PS, à excepção de Guterres, adoptaram nos casos em que surgiam os nomes de alguns dirigentes socialistas: não se pensa, não se avalia, não se questiona. Acusa-se. 
A curto prazo esta transformação do PS numa máquina de defesa da imagem de pretéritos líderes, a que se junta o horror do PSD à ideologia, podem transformar Portugal num local infrequentável.
«DE» de 26 Mar 13

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