O Parlamento ou a Rua
Por Maria Filomena Mónica
DEPOIS de quinze dias em Boston, aterrei num país, o meu, que acabara de inventar um novo termo: «grandolar». A coisa assustou-me, não tanto por si, mas pelos comentários que suscitou. À esquerda, o título da coluna habitual de José Vítor Malheiros era «A rua é a única saída» e, à direita, o de Adriano Moreira «A Ilusão Eleitoral». Pelos vistos, não posso deixar a Pátria, pois esta começa logo a deslizar para a asneira.
A falta de credibilidade da classe política é um fenómeno europeu, mas, se compararmos os países do norte com os do sul, constataremos que os graus de desconfiança variam. O ódio que os latinos sentem diante dos governantes radica-se não só nos privilégios de que auferem mas na concepção de que não desempenham qualquer função útil. Este desprezo recai, em doses maiores, sobre os deputados. Criados pela intriga partidária, arrastam-se, quais sonâmbulos, pela Assembleia da Republica. Uma vez por outra, acordam, o que ainda é pior, uma vez que a sua incapacidade para resolver a mais rudimentar questão fica inexoravelmente exposta (veja-se o que se passou com a lei dos mandatos autárquicos). O país sente que nada tem de comum com o que naquele palco se desenrola.
Apesar das aparências, os políticos não têm aqui uma base eleitoral. Pego num caso menor, o de Gloria Araújo, apanhada a guiar com 2,4 gramas de álcool por litro de sangue, um valor que prefigura crime. Nem eu, nem, aposto, os eleitores do Porto – círculo por que foi eleita – jamais tínhamos ouvido falar dela. Note-se que não estou a falar do seu julgamento em tribunal, mas da legitimidade da sua permanência no Parlamento, tanto mais que a senhora participou em reuniões da «Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação», tendo ainda feito parte de acções de promoção de segurança nas estradas. A sua irresponsabilidade está patente na entrevista que, a 4 de Fevereiro, deu ao jornal I, onde declarou que, «sabia que tinha consumido bebidas alcoólicas mas é evidente que não tinha a consciência de que seria aquela taxa», explicando, com ar cândido, que apenas se limitara a guiar do parque privativo da Assembleia da República até ao parque do hotel Clarion, na R. Rodrigo da Fonseca, onde costuma ficar. Ser-se deputada é, para ela, um emprego como qualquer outro. Assim, durante os dias posteriores à bebedeira, optou por «adoecer», à espera de que tudo voltasse à normalidade.
Dado que os outros partidos, bem como a Comissão Nacional do PS, de que faz parte, consideram admissível manter em funções alguém apanhada a conduzir com mais do dobro da quantidade de álcool permitida por lei, os socialistas tripeiros pouco ou nada poderão fazer, se, nas próximas eleições, António José Seguro a voltar a colocar em lugar elegível. Apesar das promessas da criação de círculos uninominais por parte dos dois maiores partidos, nada aconteceu. Eis o resultado: o Parlamento está em vias de ser substituído pela rua.
«Expresso» de 2 Fev 13
Etiquetas: FM
3 Comments:
Tal e qual.
Os nossos deputados são pessoa ao serviço dos líderes partidários que os escolheram e de que dependem.
Por isso não merecem o respeito dos cidadãos. Ainda para mais quando se comportam como a senhora Glória Araújo.
Sem consequências. E sem pingo de dignidade.
De tal forma que se o parlamento caísse num buraco fundo ninguém, excepto os interessados, se importaria nada. Compreensivelmente.
É a nossa democracia...
Na segunda linha do comentário anterior: ..."são pessoas"..., obviamente.
Faz falta ? A quem?
Ás vezes dá-me a sensação de que certas pessoas que se julgam importantes, imprescindíveis e uma mais valia para o país, ocupam apenas espaço...que outros perderam e mereciam...,quem sabe?
Enviar um comentário
<< Home