7.4.13

A moda das avaliações estúpidas

Por Maria Filomena Mónica 
TENHO DE FAZER uma confissão: há problemas que nem eu sou capaz de resolver. Um deles respeita o conflito entre os ideais meritocráticos e o interesse das corporações. Sempre que penso nisto, vem-me ao espírito o que, brincando com um provérbio nacional, Eça de Queirós escreveu: «Casa onde não há pão, todos ralham e todos têm razão». Repararam na segunda parte? Repito: «e todos têm razão». Razão, não no sentido de actuação eticamente louvável, mas no de um comportamento lógico. É por isso que não sou capaz de sair deste círculo infernal. Andamos, há séculos, numa luta inglória contra um poder simultaneamente frágil e despótico.
Agora, a classe bem pensante deu em querer avaliar tudo e mais alguma coisa. Depois dos alunos, chegou a hora dos administradores hospitalares. É claro ser necessário evitar desperdícios no Serviço Nacional de Saúde, como necessário é verificar que os professores classificam como deve ser os alunos. Do que desconfio é dos meios. Porque não estamos a falar de peças fabricadas numa cadeia de montagem, mas de seres humanos. De cada vez que detecto a existência de percentagens em grelhas fabricadas nos Ministérios fico de pé atrás. Tem algum sentido ordenar aos júris que vão avaliar os administradores dos hospitais que o deverão fazer tendo em conta, na nota final, que 33% deverão ser atribuídos a critérios financeiros, 25% a tempos de espera e 42% à «qualidade assistencial»? O Estado quer regulamentar tudo, um exercício inútil, uma vez que os portugueses há muito aprenderam a torpedear a lei. O Estado desconfia dos cidadãos e estes pagam-lhe na mesma moeda. 
Lembram-se da equação que o Secretário de Estado Valter Lemos, o da era socrática, inventou para avaliar alunos do Básico e Secundário? Ei-la: 
Df= M+P 
Df significa o grau de dificuldade, N o número total de alunos de dois grupos, M o número de alunos do grupo melhor que responderam erradamente e P o número de alunos do grupo pior que responderam erradamente. É preciso ter-se chegado a uma nível muito baixo para tal propor. 
Este tipo de avaliação chegou, há uns anos, à Universidade. Num júri de admissão ao ingresso na carreira, dei comigo a meter números num formulário que um decreto engendrara, na suposição, imagino, de que tal evitaria o poder das cunhas. Mais recentemente, num júri de doutoramento, foi-me pedido para justificar, por escrito, a classificação dada. Pelos vistos, havia saído um novo decreto que retirava poder aos catedráticos, submetidos ao possível veredicto de um juiz. Note-se que não estavam em causa vícios de forma, mas a substância de teses. Depois de uma troca de palavras amarga com o Presidente do júri, optei por escrever «Porque assim o entendi», após o que jurei nunca mais fazer parte de qualquer tipo de avaliação em Portugal. Os meus compatriotas podem divertir-se com o joguinho das avaliações: pelo que me toca, opto pela bancada.
«Expresso» de 16 Mar 13

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4 Comments:

Blogger José Batista said...

É a paranóia das avaliações. Creio que a "moda" passará, dentro de poucas décadas. Entretanto faz as suas vítimas, claro.

Agora, se Maria Filomena Mónica soubesse o que passam os professores do ensino secundário em ações de formação para classificarem provas de exame, coisa que alguns fazem há trinta anos!...

Isto sem falar da macacada que é a avaliação de professores, por mais que se queira. E então entre nós, como muito bem refere... Bem andaríamos nós se essa avaliação fosse rigorosa mas antes de entrarem na profissão, porque depois, por pior que eles sejam, com boas ou más classificações permanecem a lecionar. Aliás os pior classificados correm o risco de lecionar mais, uma vez que os outros têm mais probabilidades de andar em funções de coordenação, de chefia e de avaliação dos que... dão aulas.
E é assim.

7 de abril de 2013 às 18:51  
Blogger Laura Cachupa Ferreira said...

Lixo tóxico e bafiento.
O artigo e o comentário...

8 de abril de 2013 às 11:11  
Blogger José Batista said...

Há quem goste de ir ao lixo.
Por causa do bafo?
E às vezes extravia-se...

Caro Medina, arranje umas etiquetas luminosas ou flamejantes para prevenir certas criaturas que gostam de ir onde ninguém lhes sente a falta.

8 de abril de 2013 às 17:20  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Caro José Batista,

Julgo que sei a quem se refere, mas os comentários de anónimos não são reencaminhados para os autores dos 'posts', além de que e a cópia que vem para mim segue automaticamente para o lixo (como 'spam').
Em geral, nem dou por eles.

8 de abril de 2013 às 20:27  

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