2.4.13

Faz falta um Salazar ou outro 25 de Abril

Por Helena Matos
DEVE SER sina: ao menor sinal de crise lá vem a verbalização do desejo de um Salazar a que agora se juntou o de um golpe e, como não podia deixar de ser neste reino velho que tantas dificuldades tem em emendar-se, o de um governo de não políticos.
Entende-se por esta última solução uma espécie de junta de salvação nacional constituída por gente boa que o PCP e afins transfiguram em governo patriótico para escamotear que só os comunistas e seus clones caberiam em tal conceito de patriotismo. Ou então é aquilo que o centrão apresenta como uma plêiade de tecnocratas que mais não seriam que políticos maioritariamente maçónicos e não sujeitos a escrutínio. O que os apologistas destas soluções nunca explicam é como de um momento para o outro as medidas difíceis desapareceriam ou, tendo de ser implementadas, como não mais seriam contestadas. E sobretudo ilude-se a principal questão: donde viria a legitimidade deste tipo de governo? 
Esta apologia de medidas autoritárias é justificada com a excepcionalidade dos tempos, como se a democracia fosse um regime para os dias felizes e não o regime que nos permite fazer escolhas precisamente quando essas são difíceis. Mas o pior de tudo é quando os apologistas destas soluções, tentam explicar o carácter autoritário das suas propostas, invocando o horror dos tempos que nos coube viver como se nunca se tivesse passado por nada semelhante. De repente tornámo-nos num desses quadros ‘naïfs' em que à falta de perspectiva as pessoas são maiores do que os prédios. Contudo convirá lembrar que um desempregado vive hoje melhor em Portugal do que muitos trabalhadores dos anos 50 ou 60. E como é óbvio um desempregado em qualquer país da UE usufrui de condições de vida muito superiores à de outros países, nomeadamente de grande parte daqueles que agora apresentam grande crescimento económico e que até nos emprestam dinheiro. Por fim mas não por último, boa parte dos portugueses arrepender-se-ia de ter posto o pé fora deste rectângulo se um azar do destino os levasse aos hospitais onde são tratados os cidadãos comuns de Angola, Rússia, Brasil, para já não falar da China. E politicamente falando basta recuarmos 35 anos para percebermos como falharam algumas das soluções que agora nos propõem como moralmente superiores - Em 1978, tivemos três governos, tendo durado um deles, o de Nobre da Costa, um executivo tecnocrata de notória competência, três escassos meses. Internacionalmente, se se tiver em conta que no mesmo ano a Itália tinha o seu primeiro-ministro sequestrado, percebe-se que o enredo político que aquele país actualmente vive está longe de ser o pior que já lhe aconteceu. 
Podia encher páginas e páginas deste jornal dando exemplos de como esta não é certamente a pior crise, nem a maior crise nem a derradeira das crises. Aliás esta perda de noção da realidade e da História é em si mesma sintomática do egocentrismo infantil que enquanto sociedade decadente nos assombra. Se trocássemos as elucubrações sobre revoluções e golpes de Estado pelo estudo da queda do Império Romano talvez percebêssemos que para lá da espuma dos dias a nossa verdadeira crise é de identidade e não de economia. E nesses domínios, o da cultura e o da identidade, a nossa queda já começou. 
«DE» de 2 Abr 13

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