A perfídia anda por aí
Por Baptista-Bastos
«DN» de 15 Mai 13
NA HISTÓRIA da democracia portuguesa nunca tão poucos fizeram tão mal a
tantos. Ao mesmo tempo que a cègada política transforma as nossas
monumentais perplexidades numa exasperada interrogação: que mais nos irá
acontecer? O rol de indignidades é extenso e não deixa de aumentar:
mentiras, omissões, faltas à palavra e aos compromissos, desprezo por
todos nós, ocultação de factos e de decisões, por aí fora. Este
fim-de-semana, Paulo Portas continuou a não contradizer a natureza do
seu carácter, que se distingue pelo ambíguo e pela duplicidade. Denegou o
que, uma semana antes, grave e sumptuoso, afirmara: não toleraria a
aplicação de uma taxa às pensões e às reformas.
Ele sempre foi
assim: pensa a política como um jogo de pertenças múltiplas, e os
políticos não devem ser julgados através de padrões morais. As
circunstâncias é que determinam, explicam e justificam os seus actos e
as suas condutas. Segundo Paulo Portas, a democracia não se esgota na
forma jurídico-política, e enriquece-se com a criatividade e a inventiva
dos seus actores. O sentido da honra possui um valor supérfluo.
Estas
confusões parecem ter adquirido carta de alforria, tendo em conta a
naturalidade com que são encaradas. Há qualquer coisa de errado e de
contagioso que excede o funcionamento processual da democracia. Quando
um Governo, este, opera decisões que, de antemão, sabe serem
anticonstitucionais, inscreve-se numa erosão endémica, que devia
combater como norma fundamental da sua própria estrutura. As coisas,
porém, não são assim. E se Paulo Portas intruja e desdiz-se, Passos
Coelho não faz melhor do que seguir a banalidade que já pertence aos
novos campos de intervenção política. Este Governo não é uma nódoa; é
uma chaga pestilenta.
Quando, pressurosamente, o dr. Cavaco,
coitado, fala em pós-troika, devia, sim, preocupar-se com as mazelas
morais deixadas por esta gente equívoca, incompetente, grosseira e
indecorosa, cujas relações com a democracia e os seus exigentes
mecanismos são nulas e perigosas. Mas ele, infelizmente, não vê, na
democracia outra coisa senão um objecto de ódio, de despeito e de
sobranceria.
Vai reunir-se, segunda-feira, o Conselho de Estado; e
a crer no que numerosos dos seus componentes têm dito e escrito deste
Executivo, não se vê razões para que a reunião seja pacífica, e o seu
presidente contrarie os impugnadores desta política celerada,
continuando a sustentar o nosso infortúnio. É verdade que a arrogância
de Belém atinge os limites do insuportável; porém, não há "interesse
nacional" (expressão que oculta todas as vilanias) que justifique o
conjunto de infâmias que nos têm atingido nos últimos dois anos.
A
coligação deixou de o ser há muito tempo. É um conjunto mal remendado
de interesses, e um concentrado de servilismo a conveniências
estrangeiras. A palavra perfídia anda perto.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico«DN» de 15 Mai 13
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