5.6.13

A frase afrontosa do dr. Montenegro

Por Baptista-Bastos
O DR. LUÍS Montenegro, chefe do grupo parlamentar do PSD, afirmou, anteontem, sem pudor e sem rubor, que os portugueses estão melhor da vida do que há dois anos. Sentia por ele uma prudente simpatia. Independentemente de representar o papel pouco nobre, mas por ele aceito, de dizer améns às patifarias do Governo, parecia-me, até, contrafeito. Mas a obediência partidária obriga, quem quer ser obrigado, a aquiescências ocasionalmente indignas.
O dr. Montenegro, sem ser uma decepção política, desiludiu-me moralmente. A frase, afrontosa, afrontou-o. Sorridente, sem maior segredo do que um paisano endomingado, formal e elementar, estava no Parlamento e nas televisões sem agressão nem contundência. Um serafim entre a astúcia, o pecado e a malandrice. Ele acredita, realmente, naquilo que disse, ou tratou-se de um recoveiro a dar um recado? Desconhece que há mais de um milhão de desempregados?, número com tendência para aumentar, quarenta e dois por cento dos quais são jovens; que há quase quatrocentas mil famílias apelantes ao Banco Alimentar, à Caritas e a outras instituições de socorro social, porque sem possibilidades de sobrevivência?; que a emigração atinge níveis assustadores, quase como nos anos de 60 do século passado?; e que o número de suicídios equivale à dimensão do nosso desespero; desconhece ou pretende ignorar?
Há algo de infame nas declarações dos apoiantes deste Executivo. A destruição dos laços sociais, como relação de cultura e acto civilizacional, cruelmente praticada, de há dois anos a esta parte, como capítulo de um projecto ideológico diabólico, pode ser desconhecida por cegueira ou por indiferença? E os crimes cometidos (porque de crimes se trata) ficarão alguma vez impunes ou desembocarão em cumplicidades sórdidas?
O dr. Montenegro não quer saber das vaias recebidas pelos ministros ou secretário de Estado, das gargalhadas vexatórias que envolvem esses que tais, quando pretendem discursar em assembleias e reuniões? Tem percepção da insolente gravidade do que disse para os portugueses que sofrem um infortúnio atroz, e mesmo da grosseira inconsistência da mentira formulada?
O significado das palavras trabalho, história, decência, honra, ética, progresso, felicidade, solidariedade nada diz a esta gente que trepou ao poder desafecta da experiência do lugar e do valor da função comum. Quando Passos Coelho afirma que avançará com este propósito suicidário, mesmo sem consensos, a referência possui similitude com a enormidade das declarações do dr. Montenegro: são farinha do mesmo saco, a suscitar a mesma repugnância e a animar o nosso desprezo.
As enumerações feitas levam-nos a pensar que estes serventuários apenas actuam sob os ventos do mais forte, neste caso a especulação financeira, e atropelam a política, amolgando ao mesmo tempo a democracia.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
«DN» de 5 Jun 13

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