O professor da minha vida: Tony Soprano
Por Ferreira Fernandes
NEM SEI bem se isto me aconteceu. Eu estava num restaurante caro, algures
em Nova Jérsia. O empregado era velho, arrastava as pernas, o sonho
americano é mais duro do que se crê. Numa mesa estava um tipo que eu
conhecia. Conhecia-lhe a mulher, feia e atraente, a irmã, passada, a
mãe, inquietante. E talvez gostasse de ser apresentado a um amigo dele,
Paulie, psicótico, que acamava as cãs com um pente como só fazem os
suburbanos. Mas pensando melhor, pelo que correu (falando-se baixinho),
talvez não - a máfia é muito bonita, mas longe. Eu reconhecia, pois, o
tipo da mesa ao lado.
Um casal jovem e barulhento entrou no restaurante,
o rapaz trazia um boné de pala ao contrário. O olhar bovino de Tony -
era o nome do tal meu homem - acompanhou o casal até ele se sentar, com o
boné do rapaz enroscado à nuca. A companhia de Tony falava e ele
mastigava, com a queixada imensa. Levantou-se uma voz na mesa do casal
intrometido, segui o olhar de Tony e percebi que ele não gostou do tom e
das maneiras do rapazola com o velho empregado. Vi Tony a ter um
diálogo consigo próprio, como as panelas de pressão. A sua companhia
continuava a falar mas ele não estava lá. Foi tudo vagaroso, Tony
levantou-se, pousou o guardanapo e foi até à mesa do casal. Parou e
disse, baixo: "Tira o boné da cabeça." O rapaz ensaiou um desdém, mas
reparou no olhar do outro. Tirou o boné. Exausto, castigar abusos também
cansa, Tony voltou à sua mesa. Ontem morreu.
«DN» de 21 Jun 13 Etiquetas: autor convidado, F.F
1 Comments:
Não me diga que os citadinos não não acamam as cãs com um pente...Olhe que já vi alguns parolos, nascidos e criados em cidades, nestes propósitos...
Bom,se não estou em erro, a cena que descreve,vi-a algures nos Sopranos. Será?...
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