O verdadeiro tempo das cerejas
Por Ferreira Fernandes
QUANDO eu era novo, havia um belo hino com letra empolgante, "em Londres, em
Paris/ Budapeste e Berlim/ tomem o poder...", composto nos anos de
brasa, a década europeia de 20. A música é muito boa, de um compositor
clássico, o austríaco Hanns Eisler, que ilustrou com a própria vida um
dos paradoxos (para não dizer engano) do século: de autor desse hino
libertário que apela à vontade dos trabalhadores - embora o nome, O
Apelo do Komintern, revelasse quem puxava os fios -, Eisler acabou fã da
Alemanha do Leste (para a qual, fez o hino nacional), estado de chumbo e
não de brasa. Trajetórias assim tornaram-me imune às grandes ilusões.
Levantamentos para dar uma volta a isto tudo deixam-me mais do que
indiferente, inquieto, sobretudo quando noto o dedo de outros Kominterns
(e por isso nunca me iludi com as Primaveras Árabes).
De outra loiça me
parece ser o que acontece nas Londres, Paris, Budapeste e Berlim
modernas, as revoltas em Istambul e nas cidades brasileiras, que me
encantam com o seu small is beautiful. Bela parece-me a pequenez das
revoltas que não têm projeto de mudar o país ou a sociedade. Querem só
algumas árvores, como em Istambul (e na verdade, o que os jovens turcos
querem mesmo é ainda mais pequeno e belo: é beijarem-se e beber
cerveja), ou, no caso brasileiro, autocarros a preço decente. Essas
reivindicações é que são revolucionárias: porque podem ser conquistadas
e, se o forem, não nos tomam como reféns.
«DN» de 19 Jun 13 Etiquetas: autor convidado, F.F
1 Comments:
O PAI NATAL EXISTE...
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