«Dito & Feito»
Por José António Lima
No momento em que se celebra a grandeza da figura política de Nelson
Mandela, a esquerda portuguesa não resistiu à tentação de utilizar
demagogicamente a morte do líder sul-africano como arma de arremesso em
mesquinhos ajustes de contas caseiros.
No Parlamento, o PCP, pela voz
de António Filipe, apareceu a acusar Cavaco Silva de ter votado na ONU,
em 1987 (quando era primeiro-ministro), contra uma resolução que exigia
ao regime do apartheid a libertação incondicional de Mandela. Helena
Pinto, do Bloco, apressou-se a acrescentar que “em 1987 Portugal estava
do lado errado”. E foi quanto bastou para o tema alastrar em indignadas
proclamações nas redes sociais e nalgumas rádios e televisões.
Acontece
que, nessa ocasião, Portugal votou a favor uma resolução da ONU pela
“eliminação do apartheid” e que pedia “a libertação imediata e
incondicional de Nelson Mandela e de todos os outros presos políticos”.
Apenas votou contra um outro documento que incitava à violência para
derrubar o regime sul-africano. Recorde-se que, nessa altura, em 1987,
as ex-colónias portuguesas vizinhas da África do Sul, Angola e
Moçambique, estavam mergulhadas em violentas e intermináveis guerras
civis.
Mandela conseguiu, também, essa proeza em que quase ninguém
acreditava: substituir o mais odiado regime colonialista de segregação
racial, o do apartheid, por uma democracia e em paz - sem mergulhar a
África do Sul num banho de sangue, sem provocar a debandada em massa dos
brancos como acontecera em todas as ex-colónias africanas, sem
desencadear incontroláveis confrontos tribais e partidários pelo poder.
Mandela
foi um exemplo único de luta pela liberdade, pela reconciliação, pela
dignidade humana e pela convivência multirracial. Tornou-se o mais
inspirador dos líderes da política contemporânea. Era, por isso, a
figura mais admirada em todo o mundo, da América à China, da África ao
Japão - por todas as raças, todas as religiões e todos os regimes. “Um
gigante da História”, na feliz definição de Obama. Em Portugal, a
esquerda do PCP e do Bloco quis reduzir essa dimensão de Mandela à
pequenez das baixas querelas partidárias. Sem pudor. E sem sucesso.
«SOL» de 13 Dez 13 Etiquetas: autor convidado, JAL
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