12.12.13

Um funeral como deve ser

Por Ferreira Fernandes
Escrevia eu, aqui, na terça, o papel importante mas secundário do punho fechado de Mandela, e, ao vivo, na cerimónia no estádio do Soweto, confirmaram-se as minhas palavras. A linguagem simbólica não é assim tão importante: o tradutor para surdos era falso, tinha gestos como os de um estacionador de automóveis em rua de Lisboa. O governo sul-africano vai fazer uma declaração sobre o assunto, mas faz mal. O gestual disparatado do intérprete não valeu menos do que tantos discursos oficiais ou palavras avulsas (incluindo as minhas) feitos por estes dias sobre Mandela. Ele é grande. E que tudo, até os disparates, sirvam para demonstrar o nosso lugar: humildemente agradecendo ter vivido no tempo dele. 
Bancadas ao lado, uma linda primeira-ministra dinamarquesa sorria para a foto que se fazia (chama-se selfie, esse também paradoxal gesto de fazer mal o que, desde Daguerre, com fotógrafo se faz bem). Ela deixou-se cercar por Obama, que também queria ficar na foto, e puxou (ela, Helle Thorning-Schmidt, a nórdica) a cara de Cameron, para ficarem juntos. Um ménage à trois sorridente e inocente, tão indicado para aquela cerimónia. Uns, mais ocidentalizados e tristonhos, ofuscaram-se com o despropósito que, na verdade, não havia. Estávamos ali, lembro, para cantarmos as palavras de Violeta Parra: "Gracias a la vida que me ha dado tanto", que é o que se deve cantar na morte de quem tanto nos deu. Foi um funeral de Estado de almas gratas.
«DN» de 12 Dez 13

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