4.2.14

A Superioridade Moral

Por Maria Filomena Mónica
A MAIORIA das pessoas tende a associar estas duas palavras ao comunismo, por, na prisão, Álvaro Cunhal ter escrito um opúsculo intitulado «A Superioridade Moral dos Comunistas». Li-o agora pela primeira vez. Não fiquei surpreendida com o conteúdo, mas sim com a semelhança com outra doutrina, aquela em que fui educada, a da direita católica. Para que se perceba o que estou a dizer, transcrevo dois parágrafos do livro de Cunhal: «Os comunistas não se distinguem apenas pelos seus elevados objectivos e pela sua acção revolucionária. Distinguem-se também pelos seus elevados princípios morais». E um pouco adiante: «A força do exemplo, pelo seu extraordinário poder de convencimento e de atracção junto das massas, é um dos grandes trunfos da acção dos comunistas». 
Estas palavras poderiam ter sido escritas pelos católicos que conheci durante a minha adolescência. Ambas as ideologias, ou religiões se quiserem, além de realçarem a força do exemplo, salientam a superioridade dos ideais partilhados pelos seus membros, quando comparados com os que norteiam a acção de outros seres humanos. O Bem estaria sempre do lado deles, o que tem levado a tragédias que, embora distantes no tempo, são parecidas na essência. Não preciso de lembrar, penso, a forma como, para só citar alguns, foram tratados pela Igreja Católica os cátaros, os hugenotes, os maniqueus, os jansenitas e os luteranos. Não basta vir o Papa Francisco declarar, como o fez no passado dia 22, que a divisão entre as várias confissões cristãs são «um escândalo».
Ao longo dos séculos, comunistas e católicos desprezaram os meios para chegar aos fins. As atrocidades foram realizadas em nome de um Paraíso: terreno, num dos casos, sobrenatural, no outro. A opinião de quem não acreditava nas suas teses era espezinhada e, se preciso, eliminados os «hereges» ou «traidores». Claro que, tendo nascido em Portugal, convivi mais com a censura da Igreja Católica do que com o totalitarismo comunista, mas sei que, na génese de ambas, está uma tese que repudio: a existência de alguém, acima de mim, que me diz o que devo pensar e como devo agir.
Não foi só isso que me fez deixar a Igreja, mas foi também isso. Eu queria decidir sozinha o que era o Bem e o Mal e saber como me conduzir na vida, coisas que a minha religião não me autorizava. Até que, um dia, num confessionário da Igreja dos Mártires, um padre me expulsou do rebanho. Ganhara a liberdade, incluindo a ética. Com os anos, verifiquei ser possível regular a minha conduta sem crer em dogmas, sem seguir encíclicas, sem ouvir o Vaticano. Embora poucos, há católicos que respeito, mas não entendo como podem aderir à ortodoxia, expressa, por exemplo, na Carta de S. Paulo aos Efésios, 5. O que ali é dito teve como efeito os católicos considerarem-se moralmente superiores às outras religiões, isto para não falar do que sentem relativamente aos agnósticos e aos ateus. É isto que não posso aceitar, como não posso aceitar que a ditadura do proletariado seja uma tese a aplaudir.
«Expresso» de 1 Fev 14

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