Contra os cortes na ciência portuguesa
Por Carlos Fiolhais
Numa longa entrevista que dei ao "Jornal de Negócios", publicada
hoje no número de fim de semana, interrogado sobre os recentes cortes na
ciência, afirmei o seguinte:
Se queremos manter o nosso nível de vida ou até melhorá-lo, precisamos
de mais e melhor ciência. E a ciência dá resultados. É por isso que eu
vejo como importantes as preocupações em Portugal sobre o futuro da
ciência. Nos últimos vinte anos, a ciência progrediu muito, formámos
bastantes mais pessoas, temos uma geração científica que está ao nível
dos melhores. Este esforço tem de continuar.
Se há uma mudança de paradigma, como dizem, é de um paradigma de
crescimento para um paradigma de decréscimo. Há uma razia enorme, sem
aviso. E não há nova política, porque, se houvesse, tinha sido anunciada
e discutida na Assembleia da República. Há um engano perfeito. Os
jovens tinham expectativas sobre a continuação dos seus estudos. O que
me preocupa não são os cortes, é a falta de inteligência nos cortes.
Os governos têm de ouvir os cientistas e o nosso governo está surdo,
mudo e cego. Estou a chegar de França e li uma notícia sobre um
comunicado do Conselho Superior de Ciência e Tecnologia que,
aparentemente, foi censurado. É de bradar aos céus, como é que isto é
possível num país democrático? A democracia não está em risco, mas
estamos a ver sintomas de atentados a normas democráticas e não devemos
tolerar isso. Parece que estamos todos atordoados, adormecidos, pouco
críticos. Isto de estarmos encolhidos tem de acabar. Não devemos
permitir que um órgão independente seja impedido de ser independente.
Já a FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) é uma repartição do
Estado que terá recebido ordens para fazer uns cortes e fê-los sem
qualquer espírito crítico, sem saber sequer o que é a ciência. A
dimensão cultural da ciência é desconhecida da FCT. Acabaram com duas
áreas fundamentais: história da ciência e promoção da ciência. É como se
tivessem cortado a ligação da ciência à sociedade e à cultura. E a
ciência, sozinha, estiola.
Etiquetas: autor convidado, CF
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