1.2.14

GRALHAS SEM GRALHAS - Four o’clock tea

Por Antunes Ferreira
Uma nota prévia impõe-se já: este textículo abre uma secção que diz respeito a Goa e outras Índias, mas é sobre o Médio Oriente. É certo que se refere à viagem que me ligou Lisboa a Panjim; e por isso aqui aparece. Transportadoras foram a TAP que me levou a Barcelona e a Qatar que foi até Doha, a capital deste país de petróleo e gás e por isso o que tem o maior PIB do Mundo e dela até Dabolim, o aeroporto goês. Doha onde se pernoita nas 19 horas da escala, o que permite dar uma .rápida volta por ela e arredores. É dessa noite que trata esta ameaça de crónica…
NO QATAR NUNCA tinha posto um pé, quanto mais dois. Desta feita, fi-lo. Mas, de que maneira… Conto, jurando por tudo o que seja mais santo – eu não – que é estória verdadeira, acontecida de 9 para 10 deste mês de Janeiro que iniciou o ano de 2014. Desde Lisboa que a minha mulher, já sabem, a Raquel, trazia debaixo do braço um princípio de gripe em estado juvenil muito satisfatório; na chegada à cidade condal os sintomas atingiram a puberdade. Ao sentar-se no avião médio-oriental da Qatar Airways, a febre subira: atingira a maioridade. 
EM DOHA FOMOS tal como estava programado até ao Hotel Al Rayyan, da cadeia RETAJ. Entretanto, quase passei por cima de uma minudência chamada aeroporto; moderno mas de tal forma pejado de gente dos feitios mais diversos, cores, vestuário, religiões, falas, disposições, intenções et aliud que mais parecia uma colmeia em que a rainha tivesse abdicado sem ter sucessora. Uma aflição e, ainda por cima, maioritariamente em árabe. Entrar foi fácil; passar da manga para terra firme não tem nada que saber. Sair, procurando o transfer para o hotel é que nem comento: ao fim de duas horas e picos lá se apanhou a ditosa viatura. 
VOLTA MAIS, revolta menos, o destino (e o front desk chief, mais prosaicamente o chefe da recepção) entregou-nos a chave do quarto 201; apenas entrados, a Raquel, ardendo até aos cabelos, descalçou-se e meteu-se na cama. De acordo com o termómetro, exibia uns 39 a cair nos 40, mesmo à sombra. Eram quatro horas da matina, mais coisa, menos coisa, e para tomar nova dose de Efralgan (paracetemol + vitamina C) o ideal era um chá quentinho. Tentei o Room Service. E apesar do hotel ser de cinco estrelas ou mesmo mais, o silêncio foi total. Pelos vistos, em árabe é igualzinho ao que se usa em português – nada. 
DESCI ATÉ À recepção onde pedi a um dos seis elementos que por ali se deixavam estar - dos quais apenas dois fingiam estar a trabalhar, uma dama e um cavalheiro - um chá bem quente para o quarto 201. A moment, Sir. Reunidos em assembleia-geral os rapazes chegaram a uma conclusão: o porta-voz pediu-me, please, call the Room Service, Sir. Elucidei-os que já tentara, mas que o resultado fora desanimador. Os seis voltaram a reunir-se e deliberaram solicitar ao representante que me atendia que continuasse as negociações. Chegou-me a mostarda ao nariz, às orelhas; ao queixo, à face, aos escassos cabelos e destravei o gatilho.
DO I FURFILL an apliance for a tea? Tenho de preencher um requerimento para um chá? O tom usado pareceu esclarecedor mesmo para um árabe – seria? – e daí para frente as coisas softizaram-se: preto ou verde? Preto. Com leite ou sem? Sem. Com açúcar ou adoçante? Com açúcar. Podia regressar ao maldito 201, era só um instantinho e pronto. Retornado ao quarto, a Raquel continuava a fumegar e, ainda por cima, não sabia onde metera o termómetro, tocou o telefone. Era do ditoso Room Service. 
QUANDO O SERVIÇOR me perguntou qual a cor do chá, preto ou verde, explodi no mais puro vernáculo. O referido membro do tal Room Service, optou por uma prudente retirada, talvez içando a bandeira branca, não o pude verificar do lado de cá do fio, e, finalmente lá veio a aromática infusão que a Raquel engoliu juntamente com os comprimidos efervescentes. Eram quase seis da manhã. Deitei-me, depois de convenientemente despido, e ferrei o galho.
HORAS DEPOIS, quando o grupo de que fazíamos parte regressou do passeio tomava eu, melancolicamente, o pequeno-almoço. Fora uma noite palpitante e tinha inventado ao arrepelo de qualquer súbdito de Sua Graciosa Majestade, o four o’clock tea, am. Do Qatar, mais precisamente da sua capital que já começou a preparar o Mundial de Futebol de 2026 ou algo assim, o que conheço – e sem grandes pormenores – é o quarto 201 do Hotel Al Rayyan. Talvez um dia ainda venha a conhecer um pouco mais. Sem febre, a esperança é sempre a última a morrer.

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