Perfume de ator
Por Ferreira Fernandes
Com "Capote", Philip Seymour Hoffman, entroncado, ganhou o Óscar de melhor ator fazendo de Truman Capote, um duende franzino. Hollywood gosta disso. Mas, às vezes, Hollywood é também delicada: nomeado para melhor ator secundário, ele não ganhou o prémio em 2008 ("Jogos de Poder") e 2009 ("Dúvida"). Claro, como premiar como secundário aquele que roubava as cenas sempre que aparecia? Em "Perfume de Mulher", Al Pacino, cego, dança o tango "Por Una Cabeza". A cena é entrecortada por brevíssimas imagens de um jovem que olhava o amigo dançar. Esse jovem não era Seymour Hoffman, remetido para outro papel. Fosse ele, sentado, calado e só a olhar, teria embaciado o monstro sagrado, a beleza da dançarina e, até, o tango de Gardel. Em "O Talentoso Mister Ripley", ele ofuscou Matt Damon e Jude Law.
Nesse ano, num filme que ganhou o prémio de melhor elenco, "Magnólia", o realizador teve a prudência de não o pôr a competir com os outros. Vai ser o enfermeiro discreto que vê um velho amargurado a morrer de cancro: "A maior dor da minha vida foi ter deixado partir o meu amor", diz o velho. Mais tarde, o enfermeiro telefona ao filho do moribundo para ir ver o pai: "Eu sei que isto parece uma cena de filme (...) mas essas cenas são verdadeiras, sabe, porque elas acontecem, mesmo."
A Seymour Hoffman bastava-lhe um telemóvel para nos convencer de que o filme era a vida, mesmo. Ele secundarizava os principais atores; agora, com uma agulha no braço, matou o maior.
DN de 4 Fev 14
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