Os dois do nosso drama
Por Baptista-Bastos
O
chá das cinco de segunda-feira, entre Passos Coelho e António José
Seguro, resultou no baço espectáculo "mediático" que tudo abrevia e a
nada chega. O importante passou ao lado: o facto de a pontuação que
separa o PS do PSD estar cada vez mais minguada, atentando-se, até, que,
se a coligação continuar, registar-se-á "empate técnico", rigorosamente
a derrota do socialismo chilre do triste Seguro. Não se exige, bem
entendido, que o PS seja o que nunca foi, um partido "revolucionário";
mas assim, como está, também é de mais. Desesperantemente de mais.
Que
separa ou diferencia o PS do PSD, neste momento crucial para a própria
existência de Portugal como nação? Sem quase termos dado por isso, os
dois partidos abreviaram, ou liquidaram por completo, os projectos
iniciais, marcados por um conceito "reformista" da sociedade. O PSD,
então PPD, demoliberal, desejava que se mexesse em alguma coisa, para
que tudo ficasse mais ou menos na mesma. Não foi admitido na
Internacional Socialista, et pour cause. O PS cantarolava o estribilho
"partido socialista, partido marxista", até que Willy Brandt deu
instruções para que a casa fosse posta em ordem. Apagaram-se símbolos
(como o do punho esquerdo erguido, que cedeu o lugar à imagem da rosa) e
desapareceram dos discursos oficiais expressões como "trabalhadores",
"classe operária", substituídas por "classe média" e afins.
Seguro
e Passos provêm de idêntica fornada. Este último ainda andou pelos
comunistas pequeninos, mas pirou-se quando percebeu que não estava ali
para mudar o mundo, sim para organizar a vidinha. O Seguro navegou nas
águas mansas da jota, precavido, sempre sorrateiro e de soslaio,
emboscado para quando a oportunidade surgisse. É um embuste de si
próprio, porque produto de uma época que se ludibria a si mesma. Ambos
nascidos da "era do vazio" ou da "insignificância." Passos muitíssimo
mais perigoso porque muito astuto e obcecado. Seguro mais tolo porque
mais claramente vaidoso e irresoluto.
A política, quando o é, e
estes dois senhoritos nada têm que ver com ela - a política é
constituída por todas as formas de filiação social. Não se reduz, como
os dois senhoritos, e outros mais o fazem, à prática de mero exercício
de poder, cujo valor intrínseco está associado a zonas de interesses. A
política, na expressão mais nobre, corresponde a conveniências comuns,
que apenas divergem nos modos de acção. Finalmente, a política é um acto
de cultura porque acto de relacionamento. Se submetêssemos tanto Passos
como Seguro à mais modesta sabatina de conhecimento geral, talvez não
ficássemos muito surpreendidos com o grau de ignorância revelado. Não é
grave por aí além; só o é porque ambos governam ou ambicionam governar
um povo. Neste caso, infelizmente, nós. O nosso drama reside nos dois.
«DN» de 19 Mar 14 Etiquetas: BB
1 Comments:
E alguém tem memória de ter sido bem governado neste país?
Mas nós cá estamos, bem ou mal governados. Alguém, bem ou mal, fez com que aqui chegássemos. Agora, governantes de bancada, uiii...
Há imensos e para todos os gostos.
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